Homem-bomba brasileiro
Cyntia Pinheiro
Ontem (13/11/24) tivemos o que pode ser considerado o primeiro atentado suicida no Brasil, salvo o atentado terrorista malsucedido do Riocentro em 1981. Um homem identificado como Francisco Wanderley Luiz, candidato a vereador derrotado em Rio do Sul (SC) pelo PL, teria se explodido em frente à Praça dos Três Poderes em Brasília.
Os primeiros ataques suicidas de que se tem notícia aconteceram ainda entre os séculos XIV e XVI, como estratégia de guerra utilizada pelo Império Turco-Otomano. Mais tarde, e também mais próximo de nosso tempo, vieram os Kamikazes durante a Segunda Guerra Mundial. Os guerrilheiros suicidas passaram a ser conhecidos como “homens-bomba” a partir dos conflitos do Oriente Médio, mais precisamente na guerra entre Irã e Iraque, na década de 1980.
O recrutamento de tais “armas de guerra” se dá com a doutrinação de jovens a partir da ideia de que o sacrifício será recompensado com o paraíso cheio de benefícios extraordinários. E é aí que mora o perigo: a doutrinação.
Desde já esclareço que este não é um texto de esquerda, de direita, de diagonal, ou de qualquer vertente política, mas apenas um convite à reflexão que eu espero que sirva a todos os lados. Temos visto uma crescente das ideologias políticas em simbiose com as doutrinas + ações religiosas.
Na Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de 1844, consta uma frase, mais tarde sintetizada por Marx e atribuída a ele, que diz: “a religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito, é o ópio do povo”.
Penso que a religião, seja ela qual for, tem seu valor e sua importância, pois que funciona como um importante freio social às más inclinações humanas. Entretanto, nem todos precisam dela. A crença não pode estar acima do respeito à subjetividade, porque passa a tratar-se de fanatismo, doença, doutrinação.
Temos acompanhado uma polarização política ruidosa no Brasil. Proporcionalmente, uma exacerbada necessidade do homem em se afirmar politicamente. Na defesa de ideologias cada vez menos debatidas e muito mais impositivas, não se desenvolve o pensamento crítico e o homem torna-se um repetidor, vazio e sem escrúpulos, de tudo o que recebe pelas ferramentas digitais. E sem saber (ou de propósito mesmo) acaba realizando um trabalho significativo, de esparramar a “boa nova” de seu mestre, geralmente um político de sua estima e reverência.
O problema é que estamos apaixonados demais por PESSOAS. Gente que encontra na política seu terreno de poder e se afirma como líder messiânico, capaz de resolver todos os problemas da humanidade. E o perigo dessa paixão é que a paixão nos torna cegos. Os discursos inflamados, a doutrinação religiosa em parceria com as ruidosas e convincentes falas de tais homens, soa como prática já experimentada na história e que nos levou a dizimar nossos iguais em guerras, higienização populacional, conflitos de interesses mesquinhos e maus, que não levam em conta o ser humano, mas pura e simplesmente o poder de um em detrimento de seus iguais, inclusive dos que se engajam na propagação da ideologia com a qual se identifica.
O homem-bomba brasileiro demonstrava um adoecimento espiritual e mental que o levou a cometer o ato extremo de se matar por uma causa na qual foi levado a acreditar acima de qualquer sensatez. Um perigo para o destino de nosso país e para o nosso destino também.
Já pensou se essa moda pega? Já temos suficientes problemas com guerras entre torcidas organizadas nos campeonatos de futebol, já imaginou ter medo de ir a um estádio porque um fanático por futebol pode simplesmente decidir se explodir no meio da torcida adversária?
Já pensou se em shows de rock os fanáticos religiosos decidirem se explodir para exterminar uma legião de pecadores? Ou se no carnaval resolverem acabar com a “festa pagã” explodindo uma galera engajada e de olho no céu?
O assunto é sério e o perigo é real. Isso não pode acontecer outra vez. Precisamos de políticas públicas voltadas para a saúde mental da população. Precisamos repensar as legislações que pouco têm feito com relação às doutrinações políticas no âmbito virtual. É muita ingenuidade acreditar que a regulação das redes é uma coisa de comunista. É uma coisa necessária para nossa segurança e saúde da população. Talvez não estejamos preparados para lidar com esse fanatismo que leva às pessoas ao suicídio e expoe a grave perigo outras pessoas que nada têm a ver com isso. Precisamos começar a pensar em estratégias EDUCACIONAIS e responsáveis que nos garantirão um futuro com indivíduos melhores do que nós mesmos temos sido. Gente capaz de pensar por si própria para não cair em discursos doutrinadores e politicamente lotados de interesses excusos.
Não vejo outro caminho senão o da punição severa a quem incita a violência política e também não vejo outro caminho senão o da educação.
O pensamento crítico é alicerçado na educação. Enquanto eles disserem que a educação é ruim, que professores são maus, que as universidades são ambientes nocivos e que ler é errado, corremos um grande risco de sermos massa de manobra. E somos! Ta aí a prova! Isso funcionou com Hitler e Sadam Hussein e pode funcionar aqui também. Aliás, já está funcionando. E agora, José?