AMOR DE PAI
Ontem, o pai do meu filho, falando sobre amor materno, por conta de um programa de televisão que vimos, disse que as mães amam mais porque têm uma ligação biológica mais forte com a criança, por conta da gravidez e do parto. Acontece que, no momento em que ouvi isso, pensei no pai que ele sempre foi para nosso filho e não me senti no direito de afirmar que o amor que eu sinto é maior do que o dele. Não depois de tantas provas de amor paterno, mais em forma de ação do que de palavras, que tenho presenciado nessas quatro décadas de convivência.
Sim! Tenho mais de 40 anos de experiência como mãe e durante esse tempo tive a companhia dele, o pai do meu filho. E também, além da minha própria mãe e do meu próprio pai, ao longo da vida, conheci muitas mulheres que são e foram mães e muitos homens que são e foram pais.
Fazendo um “balanço” de tudo que senti, presenciei e li com respeito à existência e ao comportamento das pessoas que tiveram responsabilidade sobre alguma criança, própria ou adotada. O que vi foi muitas mães maravilhosas, muitas mães não tão maravilhosas assim e, infelizmente, algumas mulheres que nunca deveriam ter sido mães. E, por incrível que pareça, o mesmo vale para os pais.
Pensando na agressividade de muitos pais, incluindo o meu, concluí que muito dessa agressividade se deve mais à maneira que esses homens foram criados do que à menor intensidade de amor que sentem por seus filhos e filhas. Lembro do meu pai me espancando e essa lembrança sempre me abala e dói em mim até hoje, mas também lembro dele me apoiando, conversando comigo, me presenteando com uma alegria tão grande no rosto que não pode ter sido fingimento, e lembro dele trazendo parte da refeição que recebia no trabalho para a gente. Em uma época de grande crise, ele deixava de comer a “mistura” para que nós, as crianças, comessem melhor.
Se a lembrança dos muitos bons momentos, dos cuidados e dos sacrifícios da minha mãe me comovem e me enchem de amor por ela, como posso ter o direito de desprezar a lembrança dos muitos bons momentos, dos cuidados e dos sacrifícios do meu pai e, levando em conta apenas os espancamentos, concluir que ele não me amava? Como posso fazer isso sabendo que meu pai foi criado, não sei sob quais “instrumentos de convencimento”, para se tornar um “macho alfa” e para acreditar que “criança precisa apanhar” por pai e mãe que também “aprenderam” assim?
Uma sociedade patriarcal e misógina produz homens agressivos e misóginos; e produz mulheres que replicam esse patriarcado e essa misoginia. Foi por isso que meu pai me espancou; foi por isso que minha mãe me obrigou a lavar a louça com o chinelo na mão, mas nunca sequer pensou em fazer a mesma coisa com meus dois irmãos. Como posso acusar minha mãe ou meu pai de não me amarem se foi tudo que fizeram desde que nasci e até antes disso?
O amor de pai é mesmo um amor menor do que o amor de mãe ou, mais antigamente do que hoje, os meninos são educados para esconderem o quanto amam e as meninas são educadas para demonstrar amor mesmo quando não o sentem?
Existem, por mais que muita gente ainda tente negar, mulheres assumindo que não têm nenhuma “vocação” para a maternidade, será que mulheres assim não existiam no tempo em que o casamento e a maternidade eram as únicas opções para as mulheres, além da prostituição? Hoje, as mulheres que rejeitam a maternidade vivem suas vidas sem se sentirem incompletas, como minha mãe dizia que eram todas as mulheres que não conseguiam se tornar mães, porque para ela não havia a mínima possibilidade de uma mulher não ter o tal “instinto materno”, apesar das muitas histórias de mães horríveis que ela já tinha encontrado.
Resumindo: Acho que, no caso dos seres humanos, o louvor do amor de mãe em detrimento do amor de pai é mais uma construção humana do que uma realidade.