O VOTO NA PORTA DO TEMPLO
Bem cedinho, eu já acabara de cumprir o meu ato de votar.
Anexo ao local de votação, resolvi ajoelhar logo ali , onde já corria uma missa, na esperança de ter feito uma boa escolha e pedir por alguma solução que não fosse apenas promessa marqueteira.
Hoje em dia, havemos de rogar por milagres em cada "ação nossa de cada dia", dentre o tudo que se chama de exercício de cidadania.
Bem à entrada da Paróquia, ela, a quem vou ficticiamente "batizar" de MARIA, estava ali, parada no meio fio da porta principal do templo, de cadeira de rodas, com um dos pés protegidos por uma espécie de tipóia.
- Moça, por favor, quando você sair da missa você me ajuda com arguma coisa para mim fazer uma sopa?
- Olha, dessa vez , vou ficar te devendo, eu não tenho nada aqui.
- Ah, tudo bem, vai com Deus!
Eu iria, tenho fé que sim, mas antes resolvi conversar.
- Como você se chama?
- Maria.
- O que houve com seu pé?
- O médico cortou dois dedos dele, moça, porque eles " morreram"! Ficaram como carvão depois que machuquei a pele, já faz um mês.
- Desculpe perguntar, mas você é diabética?
- Magina, sô sim, moça , como que ocê sabe?
- Tive uma intuição, há quanto tempo?
- Tem dois anos que meu açúcar explodiu, Muié do céu!
- Quantos anos tem?
- Vixi, já " tô veia" já, 36.
- Usa insulina?
- Só quando dá, moça. Às vezes pego lá no postinho , mas nem tenho onde guardá. Outras vez não tenho nem luz.
- Você Fuma?
- Fumo, muito, Como ocê sabe?
- Eu não sei não, foi só intuição. Usa mais alguma coisa?
- Moça, tô " limpa" há cinco meses. Tem um dotô lá que está feliz de eu ter largado as pedra... O cigarro já vô para bem logo, depois que já tive uma vitória da pedra.
- Parabéns, ele te explicou do teu risco , de ter diabetes nessa condição de fumante?
- Explicô sim, me falô que pode cortar mais ; e minha esperança é parar o fumo e ter meu filho de volta .
O " conselho" me tirou ele, porque não pude cuidar. Mas mesmo assim ajudo cuidá de quatro sobrinho tudo pequeninho. Meu filho tá numa casa de apoio.
Se Deus quisé O "INS" vai dá meu direito...a moça da assistência social me disse.
- Você é sozinha?
- Não, tenho um marido que foi logo ali na feira comprar pastel pra mim. Tô com vontade, moça.
A essa altura, fomos interrompidas por uma senhora bem idosa , provável moradora dali, que entregou à Maria uma sacolinha de legumes fresquinhos, a perguntar se Maria tinha " guarda-chuva".
- Tenho não senhora.
- Então fica com o meu, está garoando muito.
Ela agradeceu e continuou:
- Sabe moça, agora meu sonho é trabalhar e comprar uma televisão. Pode ser de 32 de tamanho, não precisa ser grandona; vi uma lá na loja, eles me dividem o pagamento em um montão de vezes.
Mas até uma de tubo me servia. Ganhei uma, sabe, até comprei o " conversor" ,mas a televisão não funcionou.
" Maria sempre consegue sonhar"- deduzi com meus botões embargados de espanto.
O marido de Maria,então, lá voltava com o pastel.
- Brigada Mô- disse ela, agarrando o quitute com a avidez de quem segura a última chance de sobrevivência.
Eu me despedi de Maria e segui para a missa. Ganhei mais um " vai com Deus". Agradeci.
Notei que imprensa já estava por ali a , mais uma vez, esperar pelo voto de uma famosa figura das promessas de urnas.
Terminada a celebração , vi que Maria fazia o ganho do dia , mediante as doações dos fiéis que se organizavam em fila.
Decerto daria para paliar o que tantas urnas, pelo tempo, ainda não foram capazes de solucionar.
Eu segui pedindo a Deus misericórdia para, absolutamente, todos nós.
E me perguntei: Qual seria o verdadeiro papel do voto, apenas um com real impacto no nosso dramático social?
Deus guardou a resposta com Ele.
Mas sinto que me mandou um sinal, bem ali, à porta do templo.
E foi assim, conversando com Maria, que fiz um verdadeiro voto pela Esperança...
Quantas " Marias", amputadas de tudo, pelos nossos atuais caminhos...
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