Decisões

- Boa noite - Diz o atendente se aproximando do canto do balcão em que ele estava - O que manda chefia?

Ele olhou para aquele amontoado de garrafas e rótulos nas paredes, alguns conseguia distinguir, outros não conseguia nem ler devido a baixa luz daquele ambiente… “Por que os bares têm que ser tão escuros?”, perguntou-se mentalmente. “Só pode ser para não enxergarmos a sujeira”, concluiu.

- Um uísque - Pediu decidido.

- Bourbon? On the Rocks? Caubói? Versão Honey, Apple, Fire? Qual vai ser? - Questionou o atendente.

“Caramba, eu só quero um uísque… U - Í - S - Q - U - E, que dificuldade será que tem?”, perguntou mentalmente. Enquanto tentava chegar a uma conclusão, ainda tentou entender o que diabos ele quis dizer com “Apple”, afinal ele queria uma bebida e não um computador.

- Olha, amigo… Tanto faz - Respondeu dando de ombros.

- Dia difícil ? - Perguntou o rapaz enquanto pegava um copo logo abaixo do balcão.

- Todos eles são, mas alguns são dificilmente atípicos, não é verdade? - Retrucou encarando o balcão.

“Que porra será que é um atípico?”, perguntou-se o rapaz enquanto pegava a garrafa para servir o cliente.

- É verdade - concordou de qualquer forma -, mas não existe cura melhor do que um bom bar.

- Talvez, a bebida ameniza, mas não cura, mas o bar sempre é um bom placebo - disse o homem aguardando a bebida.

“Placebo? Deve ter algo haver com place, lugar do inglês, só pode”, tentou raciocinar o rapaz.

- Teve um date ruim? - Perguntou ao entregar a bebida.

O homem pensou por alguns instantes, que diabos era um date? Algum tipo de mensageiro novo? Enfim, não importava. Tomou um gole da bebida antes de responder, era algo bem diferente do que a memória tinha guardado do uísque, além dos cubos de gelo em formatos de estrela, um sabor de baunilha com alguma fruta deixava aquilo terrivelmente doce para o seu gosto.

- Término de relacionamento - respondeu ele tentando não fazer careta por causa da bebida.

- Ah, entendo - disse o rapaz se apoiando no balcão. Coisas da vida, não dá para se chatear, o que é para ser será. Já dizia Pablo: “Eu nunca perco ou ganho quando eu aprendo”.

- Pablo Neruda?

-Marçal.

O homem respira fundo e evita fazer uma nova careta, após, tomou mais um gole do seu estranho drink.

- Logo tudo se ajeita, mulher tem um monte por aí, aqui no bar vem umas top - disse o rapaz seguindo a conversa.

“Top, será que elas vem usando top? Nem tá tão calor assim”, pensou o homem.

- Agora é a hora do tempo para acalmar a cabeça - disse olhando para o jovem.

- Oi, gente! - diz uma voz feminina próxima a porta do bar.

O homem se vira e olha uma moça que recém adentrou, ela não usava top, mas uma minissaia que lembrava uma espécie de linho e uma blusa curta na qual podia se ler “Go vegan”, um time que ele nunca havia ouvido falar.

- Pelo amor de deuuuus, me dá um Bloody Mary que hoje eu terminei com o meu boy - disse a moça sentando ao lado do homem e em frente ao atendente.

- Nossa, mas hoje é o dia dos términos aqui no bar - disse o rapaz apontando para o homem.

- Você também? Arrassouuuu - disse a moça de maneira arrastada enquanto lhe dava um tapa nos ombros.

- É, arraso - disse o homem sem mostrar entusiasmo. Na verdade foram as brigas, sabe… Começou com pequenas coisas, logo ela já tinha controle total sobre a casa e eu me sentia um hóspede. Depois foram listas de tarefas e obrigações, restrições alimentares e cada vez eu era menos protagonista da minha vida. Por fim, ela queria adotar a droga de um cachorro, não sou desses que odeia bicho não, sabe? Mas sou mais um cara que gosta de gatos, desde o casamento eu nunca mais tive pois ela não deixava, mas querer botar um cachorro para dentro de casa foi a gota d'água em um oceano que já estava no limite.

Os jovens do balcão e a mulher se olharam por um instante sem saber muito o que dizer. O homem deu um gole longo no uísque enquanto o jovem chacoalhava uma coqueteleira.

- Entendo, meu cupincha, meu namorado também tava o ó, sabe? - diz a moça.

“Não, não sei”, pensou o homem.

- Acredita que aquele puto tava fazendo grau para pagar o meu megahair? - diz a moça dando um tapa no balcão. Não, só o que me falta, eu tenho todo o meu trabalho na semana lá na academia para ficar gostosa e na hora do cabelo ele quer que eu me vire? Negativo!

- Que absurdo, amiga - diz o jovem do balcão enquanto vira o drink em uma taça.

- Total, esses dias cheguei em casa e ele tava comendo um sanduíche com peito de peru, não era nem para entrar em casa com aquilo, mas depois ainda vai comer esse treco e querer me beijar? Negativo! - segue a moça, enquanto gesticulava com os braços. Esses dias já tinha dado um tapa nele que tava conversando com outra mulher no WhatsApp, aí veio com “mas é só amiga”, não interessa, quer conversar com mulher conversa comigo, oras.

O homem respirou fundo, virou o resto da bebida em um gole e largou o copo sobre o balcão, tirou uma nota do bolso e largou ao lado do copo. Sem olhar para os dois, se ergueu e saiu rumo à porta.

- Vai aonde? Bora tomar mais uma, afogar as mágoas - diz o rapaz do balcão.

- Eu vou comprar um cachorro e ir para casa me desculpar com a minha mulher… Talvez eu compre dois cachorros - respondeu o homem, saindo do bar.

Jonas Tiago Silveira
Enviado por Jonas Tiago Silveira em 25/10/2024
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