OS TELHADOS DE NATAL
Ocorreu-me hoje sublinhar esse tema incomum após debruçar-me na janela para apreciar e receber os benéficos eflúvios do sol amanhecendo. Ademais, saudoso, lembrei-me de Paris e do autor do clássico O Corcunda de Notre Dame e sua incomparável descrição dos telhados parisienses, dos quais, com maestria e precisão, detalha cada aspecto distinto da arquitetura, das formas, dos contornos, suas variedades, belezas e feiuras.
Não que eu ouse andar nos passos dele, mestre da literatura que foi, vejo-me absolutamente incapaz dessa ambiciosa façanha. Contudo nada me impede de brincar e gracejar sobre a matéria, de enfocar a maneira de minha alma enxergar as coberturas das casas natalenses. Pelo menos daquelas amontoadas diante de meu olhar.
Pois que ao vê-las borbulhou-me a ideia nas intrincadas planícies da mente. Ri de mim mesmo quando me veio a pretensão, pouco ou o mínimo há que chama a atenção de alguém no tocante a compor um conteúdo razoável a respeito. Ainda assim não recuei do difícil projeto, malgrado o tamanho da encrenca, deixando claro que o nordestino jamais desiste facilmente de qualquer coisa depois de encher a cabeça com seus objetivos.
Deparo telhados toscos esquematizados de qualquer jeito, telhas sujas pelos gatos e suas necessidades fisiológicas, outras quebradas de tão avariadas pela velhice e a ação do tempo, do sol, do vento e das chuvas. Elas se contrapõem sem prumo, mostram um desenho torto, ângulos mal calculados, brechas se destacando, fragmentos se sobrepondo.
Decerto foram encaixadas por mãos de maus profissionais ou de amadores que fazem bicos em todos os trabalhos sem entender de nenhum. Tais coberturas se derramam nas residências pertencentes aos menos desafortunados e a quantos fecham os olhos a essas questões, entrando em rebuliço somente depois que as goteiras aparecem.
Importante frisar a existência de telhados melhor elaborados que oferecem visão mais charmosa, tem elegância nos telhados simétricos potencializados por telhas robustas, novas e limpas, umas após outras unidas com precisão milimétrica, todas resistentes às forças da natureza. Instalações da estirpe com certeza não costumam ser alvos das goteiras, mesmo porque noto a inexistência de pedaços de material soltos, as mãos que as fundiram conhecem o metiê, o encaixe sugere perfeição. Também não avistei folhas secas nem restos de aves mortas enroscados em suas pontas ou dobras, a limpeza é ampla, salta ao primeiro flerte.
Telhados desse nível debruçam-se sobre as casas abastadas do condomínio fechado ao lado e denotam ser merecedores de zelo da parte de seus donos. Por serem realmente bem tratados, tenho a impressão que a maioria dos gatos usualmente evita caminhar neles, talvez porque são por demais chiques e bem cuidados para os seus gostos.
Evidentemente, esta abordagem é apenas mero devaneio deste autor chegado a exercitar invenções literárias desprovidas de um sentido precípuo, veleidades nas entrelinhas artísticas, não engloba o aspecto macro do tema. Enfim, brincadeirinha de pretenso escritor leigo em engenharia, arquitetura, paisagismo e que tais. Algo textual que foge da mesmice visando escancarar a mente em busca de outras plagas criativas. Refresca o coração percorrer meandros eivados de simplicidade, telhados nos livros não são para todos.