Segundo turno

Era uma vez num vilarejo não muito distante daqui uma família que era constituída pelos pais e três crianças. Hugo, Luís e Laura, sendo Laura a do meio e Hugo e Luís sendo o mais velho e o caçula respectivamente. O pai era um cidadão considerado pelos outros como honrado e, sendo lá uma localidade pequena e distante, não havia tanta interferência da capital. Pelo seu prestígio e honra ilibada, Seu Elias o patriarca da tal família, era considerado uma espécie de prefeito, juiz de paz e de vez em quando uma espécie de sacerdote e/ou conselheiro.

Pois bem, determinado Inverno uma pneumonia repentina leva Seu Elias à morte. A comunidade entra em luto. Uma questão paira na atmosfera:

"E agora, quem irá nos governar?"

A ganância pelo poder se incorpora no espírito dos herdeiros. Laura, mais pragmática, aproveita a deixa e parte à cidade despedindo-se em cima da hora com breves acenos quando passa o trem na pequena estação.

A mãe passa os dias cabisbaixa na cozinha olhando a cadeira vazia que seu marido ocupava. Toda noite prepara o jantar deixando sempre um prato vazio sobre a mesa. Enquanto isso criava-se uma cizânia entre os irmãos; ambos queriam o respeito, o poder e o prestígio que pertenciam ao velho. Trocavam faíscas ao encontrarem o olhar um do outro enquanto dividiam a mesa e a sopa de macarrão com galinha.

De dia Hugo ia à feira local e improvisava discursos sobre como conservar os valores da pequena comunidade aos modos que seu pai o fizera, mantendo a tradição, seu legado e fidelidade ao povo na qual vivia com sua família desde tempos imemoriáveis.

A noite, Luís frequentava a taberna local e depois de quatro ou cinco canecas de cerveja subia num banco e fazia discursos emocionados e inflamados aos velhos bêbados e jovens boêmios. Clamava por mudanças, o novo, rupturas... Algo que ele não fazia ideia do que era, mas parecia surtir efeito na plateia.

Chegava em casa amanhecendo enquanto seu irmão passava o colarinho da gravata que fora do pai deles com a barba feita pronto pra ir à feira. Nesses encontros provocações eram frequentes:

Hugo dizia: "Não esqueça da missa, você sabe que a mãe gosta..."

"Fale isso pro padre que tive de carregar até a porta da casa da amante dele pois teve vergonha de aparecer na igreja naquele estado." Retruca Luís.

"Herege."

"Hipócrita,"

O povo fala à boca pequena que Laura seria melhor mesmo... E seguem a vida.

Rodrigo Margini
Enviado por Rodrigo Margini em 18/10/2024
Código do texto: T8176512
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