SALMAN RUSHDIE
“FÉ CEGA, FACA AMOLADA”
Nelson Marzullo Tangerini
O que teria escrito John Lennon sobre aquele idiota que lhe tirou a vida, caso seu assassinato não tivesse sido consumado, naquela noite em que vinha de um jantar com sua esposa Yoko Ono?
Penso nisso enquanto leio “Faca”, livro de Salman Rushdie, alvo permanente de fanáticos religiosos.
Penso em tantos outros atentados contra a vida humana, como o de Mahatma Gandhi.
Ou ainda, quando aqueles cães, seres irracionais, pularam um muro baixo e arrancaram o braço direito da escritora Roseana Murray, que teve, ainda, uma orelha arrancada.
A violência é irracional. Como é irracional o dono dos cães não levantarem o muro da residência para que não ataquem pessoas racionais, que escrevem histórias infantis ou vivam suas vidas normalmente, sem intenções literárias.
Uma colisão violenta, em 1940, entre dois ônibus, no Largo de Benfica, arrancou o braço esquerdo do meu pai, Nestor Tangerini, vítima de um erro, posto que o motorista, do outro ônibus, irracional e inconsequente, que vinha a toda brida, atingiu no meio o ônibus em que o poeta viajava, rumo ao seu trabalho, no antigo DCT.
Talentoso, Tangerini escreveu um soneto decassílabo sobre a perda do braço. O texto poético, lírico, faz parte de seu livro “Dona Felicidade”, editado pela Autografia.
A irracionalidade dos que se dizem racionais me assusta. Alguns donos de cães do bairro onde moro demonstram sua irracionalidade, quando passeiam com seus cães na rua sem o uso da coleira ou da trela. Algumas vezes, meu cão, Spinoza, foi violentamente atacado por isso. Ele apenas se protegeu e mordeu o outro cão.
Perto de minha casa, um rapaz perdeu seu cãozinho, um poodle, que foi atacado por um Rottweiler. O dono da fera passeava com seu animal, que não usava coleira, trela ou focinheira, e o ataque foi fatal.
E se fosse uma criança? E se fosse uma escritora de histórias infantis?
No caso de Salman Rushdie, o irracional era um ser humano idiotizado pela sua religião; no caso de John, o ex-Beatle foi atacado por um louco que, dizem, queria ser famoso, matando alguém famoso. Dizem. Essa é a versão que a mídia nos impõe. Prefiro acreditar que foi assassinado pela CIA, por conta de sua atuação contra a Guerra do Vietnã.
De uma coisa sabemos: os seres humanos assassinos, irracionais, são medíocres. Eles vão eliminar quem pensa e quem faz as pessoas pensarem. Eles não têm talento algum – para a ciência ou para as artes.
Sei que alguns cientistas, seres humanos, trabalham, também, para ceifar vidas humanas. Mas isto é uma outra história: seria uma nova crônica, que merece ser escrita e está fora de meu alcance científico.
Prossigo lendo “Faca”, de Rushdie, que perdeu a vista direita e movimentos do braço esquerdo. Talvez seu livro mexa com a cabeça de quem põe panos quentes nas ações terroristas e autoritárias de um certo país que encomenda crimes, condena gays à morte, assassina mulheres desobedientes e as trata como seres de 5ª categoria.
“Fé cega, faca amolada” não seria um bom título para esta crônica, eu sei. Peço desculpas a Beto Guedes e ao Clube da Esquina.
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"Paz na Terra!"