DANÇANDO COMO BÊBADOS

Percebi que ainda não eram cinco horas da manhã quando ouvi uma algazarra nas proximidades. Moro no quinto andar andar, da janela do meu quarto é possível avistar a rua à frente e um condomínio de casas ao lado. Abri somente uma brecha na cortina blackout que ao amanhecer recebe a visita do sol, naquele horário ainda sem despontar no horizonte ao leste.

Olhei detidamente as redondezas procurando a origem das risadas, das palhaçadas, dos gritinhos nervosos, do palavreado nada condizente com a dignidade humana. A princípio não descobri, porém isso não me impediu de continuar espreitando enquanto escutava a barulheira. De repente os responsáveis pelo desassossego surgiram no meu campo de visão.

Adolescentes, garotos e garotas agora dançando abraçados numa coreografia bêbada. À exceção deles, a rua estava vazia. Eles erguiam garrafas contendo líquidos por mim não identificados, apesar de uma voz feminina esganiçada entre eles ter gritado em algum momento a palavra cachaça no meio da frase que não ouvi completa.

O que parecia ter no máximo quinze anos de um momento para outro afastou-se, sobrou o corpo e vomitou. Uma das garotas correu até ele, levantou a parte de trás da camisa e começou a massagear. Os demais prosseguiam a festança, decerto lembrando do rolê de onde vieram. Imagino que mais pessoas do meu prédio também acordaram, todavia como eu talvez estivessem observando em silêncio.

O local onde a turma estava fica pertinho da entrada do condomínio das casas, onde na portaria dois vigias olhavam de alguma abertura. Se eles não foram reclamar com os jovens certamente porque eram moradores de lá, mesmo também havendo casas isoladas do outro lado. De uma delas, aliás, saiu alguém segurando a guia de um enorme cachorro pastor alemão, indo para a caminhada matutina. Foi recepcionado alegremente pela garota magrinha de cerca de quatorze anos, cujas mãos se direcionaram para a cabeça do animal, acariciando-a. O bicho saltou sobre ela e ficou em pé todo feliz querendo mais afagos .

Conversaram o condutor do cão e a menina, diálogo amigável que não me foi dado entender. Observei-os longamente à medida que o dia chegava e todos festejavam, celebrando a idade é provável a falta de noção. Quem vomitara voltou para o grupo ao lado daquela que pressurosa o confortou, sendo recebido com abraços.

O homem e o cachorro se foram, a garotada seguia em frente na balada da alvorada, então resolvi voltar para a cama, nada adiantava testemunhar sem poder ao menos dizer algo sereno aos festeiros. O sono tinha sumido. Tornei à janela. Os jovens tinham acabado de abrir o portão e entrado no condomínio, por óbvio iam para a cama dormir. Pensei nos pais deles, tomado de incertezas.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 12/10/2024
Reeditado em 13/10/2024
Código do texto: T8171863
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