DIÁRIO DE UM ELEITOR
Mais uma tarde dominicana. Eis que deixo o conforto do meu lar para exercer minha dignidade cidadã. Como de costume, me torno vigia constante do relógio até que marque 1 hora para o fechamento da urna e eu não precise tomar chá de fila em pé.
A democracia, essa deusa de olhos vendados e pés de barro, me convida a participar de seu ritual milenar. Desde a Grécia Antiga, quando Sófocles e Eurípedes se debatiam em assembleias sob o sol escaldante, a ideia de escolher nossos líderes nos fascina e nos frustra em doses iguais.
Caminho pela rua, observando a apatia que se instala em cada esquina. A maioria dos meus conterrâneos parece mais preocupada com o preço do pão do que com o futuro da nação. E quem pode culpá-los? A política, essa arte de fazer promessas e quebrar corações, se tornou um palco de marionetes, onde o dinheiro dança e o povo aplaude, cego e hipnotizado.
Na fila da urna, encontro a velha conhecida, a polarização. Ela, com seu sorriso irônico, veste as cores da discórdia e nos empurra para lados opostos, como se a democracia fosse um jogo de futebol, onde a vitória é mais importante do que o bem comum.
A cada voto, um pedaço da democracia se descola, como se a deusa estivesse sendo desconstruída, peça por peça. E eu, com a alma em frangalhos, me pergunto: será que a esperança ainda reside em algum canto da urna? Ou será que estamos fadados a viver em um eterno ciclo de promessas vazias e decepções?
A democracia, como um velho sapato surrado, precisa de reparos. Mas, para isso, precisamos nos levantar do sofá, tirar o pó da alma e assumir a responsabilidade pelo nosso destino. Afinal, a democracia não se faz apenas com votos, mas com a participação ativa, a crítica constante e o compromisso com o bem comum.
Enquanto isso, continuo a observar a deusa de olhos vendados, esperando que, em algum momento, ela consiga enxergar a realidade e nos guiar para um futuro mais justo e próspero. Mas, por ora, me contento em observar a dança das marionetes e a fragmentação da democracia, na esperança de que, um dia, o povo acorde e reclame seu lugar de protagonista.