EXERCENDO UM DIREITO DE CIDADÃO POLÍTICO (texto republicado)
“Por um voto em branco, você está dizendo que você tem uma
consciência política, mas você não concorda com qualquer
um dos partidos existentes”
(José Saramago)
Seu nome era Antônio Almeida, um senhor já aposentado, a ter vivido oitenta e duas primaveras e com muita dignidade, marcados por integridade e decência. Aliás, honra e caráter eram duas coisas que bem caracterizavam sua vida. Era d’àquelas pessoas que se costuma dizer "um cidadão exemplar e ético", além do fato de ser metódico em tudo o que fazia.
Acordou pela manhã daquele que seria um dia o qual ele não iria deixar passar batido: dia de eleições a nível nacional em que seria escolhido o Presidente da República (caso não houvesse o chamado “segundo turno”).
Levantou-se de sua cama, e, como sempre, sem precisar de despertador. Já fazia parte de sua rotina acordar cedo. Realizou a sua tradicional higiene pessoal, barbeou-se, penteou seus lisos cabelos grisalhos, e dirigiu-se à copa em que ali faria a sua refeição matinal.
Todos em sua casa, esposa, filhos e netos já sabiam que para ele significava uma data importante, ainda que não fosse (devido à sua idade) obrigado a votar. Nunca faltou a nenhuma eleição. E, portanto, jamais passava em sua cabeça o propósito de não comparecer à seção eleitoral. Era como ele mesmo dizia ser um “direito sagrado” – votar - o qual não abria mão de seu exercício.
E assim que terminou seu café da manhã, imediatamente trocou de roupa, vestindo uma camisa social, junto a uma calça de linho marrom, atando-a a um cinto preto, colocou e amarrou seus sapatos e, despedindo de todos saiu, a passos calmos em direção a sua zona eleitoral, a que ficava próximo de sua casa.
Interessante que ninguém sabia em quem ele iria votar. Era um mistério para todos, embora, com prazer, conversava sobre política com frequência nos encontros de família. Contudo, talvez dado a que fosse bastante discreto, não revelava a ninguém (jamais) a sua preferência no nome em quem iria escolher.
E após ter retornado da seção em que ali exerceu o seu direito de cidadão brasileiro, sentou à sala com todos, os quais para ele mirava. Queriam todos saber em quem ele votou, contudo, respeitavam a sua discrição. Até que um filho (mais ousado, a que se diria) “abriu o verbo” e lhe perguntou:
- Pai, acaba logo com este mistério. Afinal, em quem o senhor votou?
E, para a surpresa de todos, ele respondeu:
- Eu votei em branco.
E naquela hora todos se espantaram com a sua resposta, e falaram (como que em coro):
- O quê!? O senhor se deu ao trabalho de ir lá votar em branco, quando nem precisava ter ido? Não faz sentido. – Disse-lhe uma de suas filhas.
- Para mim faz, sim. É uma forma de dizer que eu não estou satisfeito com nenhum daqueles nomes (candidatos). Foi um “voto protesto” para mostrar que não mereciam o meu voto, simplesmente nenhum deles.
- Mas, não seria melhor “votar por eliminação” onde o senhor escolheria [entre todos] “o menos pior”? – Perguntou um dos filhos.
- Não acho isto certo. Votar é como casar. Se você não encontrou uma pessoa boa, irá então se casar com alguém “menos mau”? Se nenhum daqueles candidatos tem a minha aprovação, não acho que eu deveria escolher um "menos pior". – Jogou na cara de todos tais palavras.
- O senhor está certíssimo. – Dizendo agora um neto. – Mas o que te levou mesmo a votar em branco, vovô?
- A maioria deles eu sabia muito pouco a seu respeito, onde conclui que não poderia colocar (por eles) a minha mão no fogo. É como se lê nas placas das rodovias: “Na dúvida, não ultrapasse”. E dois dos que sobraram eu sabia tudo, e, pelo que eu deles conhecia, era justamente por isso que eu não votei (em nenhum). O voto precisa ser “consciente”, e não fazer dele um jogo de dados ou uma aposta de loteria, como aquela conhecida brincadeira de criança: “uni, duni, tê, salamé minguê, o sorvete colorê, o escolhido foi... você”. Ou, então, aquela também antiga brincadeira em que se dizia: “minha mãe mandou eu escolher esse daqui mas como eu sou teimoso vou escolher esse daqui”. Definitivamente não entra em minha cabeça votar desta forma. E talvez seja por isso que o país está do jeito que está: faltam seriedade e senso crítico por parte de muitos “eleitores”. Isto sem falar que há até quem no dia da eleição desconhece quem são os candidatos. E ainda por cima vota!
- Mas, durante suas campanhas nada neles convenceu o senhor, então? E por que tamanha desconfiança em suas propostas quando as apresentaram nos chamados debates? – Insistiu um neto com ele.
- O que eu pude ver nas campanhas de todos, como também nos debates, foi isto: houve quem mentiu e houve quem não falasse a verdade. Um verdadeiro teatro de hipócritas. Devemos escolher alguém que queira, de fato, "ser Presidente" e não quem gostaria apenas de "brincar de Presidente da República", ou mesmo a desejar ser uma espécie de "ditador" do Brasil, do estilo a ficar dizendo depois: "aqui quem manda sou eu". Isto é perfil de "chefes de milícias" nos grandes centros urbanos ou de tiranos, e não de um Presidente da República. – Respondendo assim a todos.
- E com o quê o senhor poderia comparar a política d'aqui, então? – Perguntou um dos filhos.
- Política é igual um jogo de futebol, porém com a diferença que no futebol se o seu time perder tanto faz como tanto fez, considerando que você é somente um "torcedor", e a vida continua. No futebol só os jogadores ganham o que seja "concreto" (até na hora em que eles perdem seus jogos), e sei que vocês me entenderam, enquanto o torcedor só ganha uma certa alegria (que passa), e a vida segue (muitas vezes aos trancos e barrancos, enquanto os jogadores "estão n'uma boa"). Já na política todos nós somos “jogadores”, levando-se em conta de que somos “eleitores”. Ou seja, nós participamos do jogo, neste imenso campo que se chama Brasil. E quando o país perde nós também perdemos. Aliás, todos perdem.
E naquela hora um de seus netos aproxima dele e o abraça, a lhe dizer bem alto:
- Vovô Antônio, é uma pena que são poucos que pensam assim. Temos orgulho do senhor.
06 de outubro de 2024
IMAGENS: INTERNET