POEMA VESTIDO DE LAMA
Ao ver a singela cena não me contive, abri, na verdade não eu, o coração, as comportas dos olhas dando passagem ao turbilhão de sensações e lágrimas olhos afora. Ao tempo em que descortinava tristeza diante do que o palco da vida encenava, também via singeleza e paz.
Essa mistura de repentina dor e inesperada ambientancia de paz dominou-me. Jamais a mágoa da impotência nem a serenidade que excede todo entendimento, senão aquela infelizmente real e corriqueira e esta simplesmente humana.
O abraço do mendigo adormecido sobre a estátua do poeta mineiro Carlos Drumond comoveu-me, tocou-me com a profundidade de um soco no estômago. O pranto que de mim fluiu ao lado do sorriso difícil de segurar, se bem me revoltou, aquietou-me. O choro e o riso, aquele de protesto e este, de emoção poética, contavam-me à alma histórias de poesias escritas por anjos.
O pobre e esfarrapado pedinte tatuado por muitas manchas do tempo, sujeira e feridas, enroscado no bronze frio do grande vate, pasmem se discordam, porém a meu ver sim, compunha uma poesia. De forma nenhuma qualquer uma, mas a da há muito ida em conjunto com a da que ainda não foi, a primeira livre das mazelas dos homens, a outra presa por instantes nas, por enquanto, permanentes agruras porque passa diariamente.
Sem saber, mas tão simbólica por se tratar dele, o poeta morto escreveu a poesia mais tristemente bela de todos os tempos ao ser abraçado por um morto-vivo. Imortalizando a junção do que mais macula o caráter humano, como amargura, abandono, desprezo, descaso, chorando e cantando sob o sol, a lua e as estrelas, a união da vergonha com a calmaria patética teatralmente inerte, formando o ícone do abjeto e do quase êxtase.
Ali na calçada de Copacabana, bairro do luxo e da vida boa, a miséria dormiu apoiada pelo bronze do poeta, fazendo poesia coberta de lama social.