Hoje, convido você a refletir sobre:
Entre o sagrado e o humano
Espero que a mensagem seja bem acolhida por você, caro leitor.
Era domingo, 18 horas. O sol já começava a baixar no horizonte, pintando o céu com tons suaves de laranja e rosa. A pequena igreja de estilo franciscano, simples e acolhedora, aguardava o início da missa. Os símbolos sagrados, feitos de madeira e pedra, pareciam fazer parte da própria natureza ao redor, como se sempre tivessem estado ali. E, em meio a esse cenário, as primeiras notas do antigo órgão preencheram o ar com uma suavidade quase palpável, anunciando que o ritual sagrado estava prestes a começar.
O momento da Palavra era aguardado por todos com certa expectativa. Naquele domingo, como em muitos outros, um senhor de idade subiu ao altar. Seus passos eram lentos, mas firmes, quase como se cada um carregasse uma reverência silenciosa ao que estava por vir. Ele parecia ter uma intimidade especial com o sagrado, algo que transparecia na forma concentrada com que se movia.
Quando começou a leitura, a sensação de harmonia era inegável. Sua voz era pausada, mas cheia de propósito, como se as palavras tivessem sido escolhidas cuidadosamente para tocar cada um que o ouvia. O ritmo com que lia lembrava o compasso de uma melodia bem executada, em que cada nota estava no lugar certo. Era impossível não ser envolvido por aquela serenidade.
Enquanto ele lia, eu me perdia em pensamentos, comparando-o a um médico em uma sala de cirurgia. Assim como um cirurgião lida com precisão e cuidado, ele cuidava de cada palavra, garantindo que nada fosse distorcido, que o significado sagrado permanecesse intacto. Seu domínio da leitura me impressionava a cada domingo, e eu me tornava, sem perceber, um admirador daquela simplicidade e profundidade.
Certa vez, nos cruzamos no estacionamento da igreja. Aproveitei a oportunidade e me aproximei. Com o coração leve, disse-lhe que havia me tornado um fã de sua forma única de transmitir a Palavra. Seus olhos brilharam com surpresa e gratidão. Ele sorriu e, com um tom quase confidencial, revelou que havia sido padre por 26 anos. Pediu afastamento ao Vaticano e, agora, já casado há doze anos, seguia partilhando o sagrado de outra maneira.
Apresentou-me sua esposa, a quem carinhosamente chamou de sua "princesa". Aquele homem, que tantas vezes eu imaginara como alguém distante e reservado, carregava em si uma história rica e profunda, que ia muito além das paredes da igreja. Naquele momento, entendi que ele, assim como todos nós, carregava sua própria história, cheia de curvas e surpresas, entrelaçada com o divino e o humano.
Agradeci pela maneira como ele me ensinara a ouvir a Palavra de forma diferente e me despedi com a certeza de que, assim como ele, cada um de nós tem uma bela história para contar. Às vezes, é preciso apenas parar e ouvir.