DIÁRIOS CARIOCAS - O SONHO DE SANDRO - CAP. 1

Sandro levantou muito cedo, 4 horas da manhã. Todo dia ele faz tudo sempre igual, levanta no horário que os playboys vão para cama, ou para à lama.

Sandro anda pelo quarto, do conjugado, e sempre esbarra na cômoda de plástico, que a mãe dele lhe deu quando ele saiu de casa, aos 18 anos. Ele até se acha privilegiado, mora nesta quitinete, ou caixa de fósforo; e ainda consegue comprar papel higiênico, uma vez por mês.

Mora no Centro da Cidade do Rio de Janeiro. Ganha um salário mínimo (microscópico) e meio, e não consegue sobreviver. Ele acha o máximo morar no Centro; pois chega no trabalho mais cedo, e consegue ir andando. Ele se julga burguês. Trabalha de carteira assinada, como um faz-tudo em um escritório de advocacia. Estava cursando Direito, mas precisou trancar, afinal o curso é caríssimo, e ele não poderia ingressar em uma Faculdade Pública.

Ele não consegue entender, como seu patrão, o doutor Leonardo paga a ele um salário e meio. Ele flutua às quatro da matina, cada vez que levanta, com o corpo dolorido, e um sono crônico. Ele trabalha todos os dias, e além de ir a bancos, fazer faxina no escritório, dirigir o carro do chefe, fazer compras e outras funções, ele também faz faxina no duplex do advogado, na Barra da Tijuca, às quartas e sextas-feiras. Que vida! porém ele se julga um homem de muita sorte.

Aliás, outro fator que o conforma, e alegra bastante é a estabilidade, ele está trabalhando neste escritório há quase oito anos, e durante oito anos ele juntou dinheiro para realizar o maior sonho da vida dele: operar.

Sim, Sandro era Sandra, e desde pequenina seu sonho era virar o ser masculino. Nunca gostou de boneca, de panelinhas, e tampouco gostaria de se casar com um homem, ela amava as mulheres, e não sabia como iria fazer para conseguir ser feliz.

Rio 40 graus, cidade maravilha, paraíso da beleza e do caos. Sandro caminhava feliz pelas ruas do Centro, iria mais uma vez ao banco, para cumprir uma das tarefas do dia. Entrou e se posicionou na fila menor que havia, por volta do meio-dia, almoço? nem pensar, hoje é dia de faxina na dona Naná. Realmente não daria tempo mesmo de almoçar. Ah, mas valia a pena, se livrar de sutiãs, calcinhas e ter peito peludo fazia toda a diferença.

Bem, Sandro ficou duas horas na fila, afinal, ele não tinha nem a idade perfeita, para entrar em outra que não fosse a normal, contava apenas 35 anos. E apesar do cansaço do tempo, ele aparentava 22. Seu pensamento era muito pequeno ainda, só pensava em baladas, aos domingos, que era o que sobrava para ele, como dia de lazer. Seu coração disparou quando olhou o celular rapidamente, já que na tal agência não podia usar telefone celular. Viu que chegaria muito tarde ao encontro.

Ele saiu às 17 e 40 h do banco, que encerrou o expediente, após atender os 200 clientes, que persistiram por lá. Sandro abriu a porta devagar, depois de destrancar a fechadura, e se deparou com uma mulher jovem, biologicamente, uns 30 anos, ela fumava e bebia. Quando Sandro caminhou até a dama vestida de camisola vermelha, ela o abraçou fortemente e o beijou longamente. Era Naná. Sim, isto mesmo, era Naná, a esposa do doutor Leonardo.

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 26/09/2024
Código do texto: T8160770
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