O MONSTRO INVISÍVEL - Por Carlos Lopes

Há uma coisa misteriosa que habita dentro de nós, uma criatura camuflada em meio aos sentimentos mais nobres. Alguns dizem que é o estômago, mas eu sei que é algo muito mais complexo. Se a gula fosse só uma questão de espaço no intestino, não haveria problema em parar no segundo pedaço de pizza. O problema é que, na hora do "vamos ver", o monstro dentro de nós acorda.

Essa criatura não está sozinha. Ela traz consigo justificativas psicológicas impressionantes. “Você trabalhou tanto hoje, merece essa lasanha extra”, sussurra ela com uma voz aveludada e familiar. No meio do caos da vida, ali está o monstro, travestido de amigo e conselheiro, pronto para nos consolar com aquela fatia de bolo, como se fosse a solução para todos os problemas existenciais.

Freud diria que estamos apenas substituindo faltas afetivas por calorias. Mas quem é Freud para dizer isso enquanto uma coxinha de frango crocante nos olha com aquele brilho irresistível? "Coma, coma! Você precisa de amor!" diz a coxinha, enquanto Freud ajusta os óculos e nos lembra que essa é só a nossa maneira de buscar satisfação imediata. O que ele não sabe é que essa coxinha, por alguns breves segundos, é capaz de preencher o vazio da alma.

A gente promete para si mesmo: "É só hoje". Só mais um pedacinho de torta, só mais uma porção de batata frita, só mais um gole do milk-shake. O estômago implora por piedade, enquanto a mente, fiel escudeira do monstro, rebate: "Amanhã você começa a dieta!". Amanhã, claro, sempre o amanhã.

Mas a gula é traiçoeira. Ela se disfarça de ocasião especial. Natal? Claro que pode mais peru. Páscoa? O chocolate é praticamente obrigação. E aquele aniversário de um colega distante? Vai que ele percebe se você não comer três pedaços do bolo.

E como todo bom psicólogo nos diria, a solução está no controle. Ah, o controle... aquela virtude que sempre parece mais distante que a sobremesa. Dizem que basta equilibrar as porções, criar um plano alimentar e, claro, meditar. Mas experimente meditar enquanto sente o cheiro de pão de queijo saindo do forno. No fundo, o monstro da gula é um excelente estrategista: ele sabe que basta uma fraqueza emocional, um probleminha no trabalho ou até mesmo um dia de tédio para ele tomar as rédeas. E, no final das contas, nos resta aquele mesmo monólogo interno: "Ok, só mais hoje, amanhã tudo será diferente". Freud? Ele só sorri do além, sabendo que a batalha entre a nossa fome emocional e a razão é mais antiga do que qualquer teoria.

E assim seguimos, arrastados pela lógica absurda do monstro invisível, que Freud com certeza chamaria de algum nome complicado, mas que a gente sabe que é só vontade de sentir o sabor da felicidade – mesmo que, no final, seja só um indigesto arrependimento.

CARLOS LOPES 24/09/2024

ESCRITORES E CIA
Enviado por ESCRITORES E CIA em 26/09/2024
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