A narrativa do nada (Sobre eleições)
A narrativa começou. Podemos dizer que recomeçou, já que de quatro em quatro anos vemos o mesmo enredo, a mesma situação inicial, quase sempre os mesmos personagens, o mesmo tempo e o mesmo espaço, o mesmo conflito (e os mesmos conflitos), o mesmo clímax e a mesma situação final, para acabar resultando em nada. Pelo menos em nada de positivo.
A cidade se divide. A preferência dos eleitores se vê pela cor do partido estampada nas portas e paredes das casas, nos para-brisas dos automóveis – carros e motos –, nas bandeiras flamulando na parte mais alta das residências e muitas vezes no peito do próprio eleitor, que exibe orgulhosamente seu brasão e vão discutir nas esquinas das ruas, como se fazia nas antigas ágoras gregas. Ali, o embate esquenta, toma força, o passado dos candidatos é apagado e ressuscitado ao mesmo tempo, vilões passam a ser heróis e vice-versa, as falhas de outrora são justificadas, o perdão entra em cena, o ódio também.
Famílias se dividem, vizinhos se intrigam, velhos amigos se distanciam, colegas de trabalhos viram a cara uns para os outros, fiéis que costumavam sentar juntos agora assistem à pregação em fileiras separadas, e até mesmo as crianças, inflamadas pelos adultos, entoam gritos de guerra contra seus coleguinhas de sala ou de brincadeiras de rua.
Protagonistas e antagonistas entram em combate. Criam estratégias para incitar a massa – que mais uma vez faz papel de figurante. Acho que deveria ser o contrário. Nos palanques, a guerra de insultos é declarada. Os “podres” vêm à tona. As promessas, cuja maioria jamais descerá dos palanques, arrancam aplausos da multidão, enquanto que os insultos aos oponentes levam o povo à loucura.
Mas não basta! É preciso saírem pelas ruas seguidos pela multidão. A propaganda tem de ser completa. Afinal, muitos são induzidos pelos números. E, na verdade, a vitória é decidida pelos números. Quanto mais, melhor. Fotógrafos correm na frente, enquanto que drones fotografam do espaço. Como dizia o batido bordão: “Cada movimento é um flash”. É preciso alimentar as redes, para que haja milhares de curtidas, visualizações, compartilhamentos (dependendo de cada cidade – algumas entram na casa dos milhões). Serve para assustar o antagonista e atrair os indecisos. Nesta batalha pelo poder, vale tudo.
Há um provérbio italiano que diz: “No fim do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa”. Mas neste jogo do poder, é no início que eles se misturam. No final do jogo, o rei será rei; e o peão, peão. Cada um no seu quadrado, até chegar a próxima eleição.
E neste enredo, cujo clímax está aí, a situação final, infelizmente, será sempre a mesma: o povão sai perdendo.
João Rodrigues (O Poeta do Riacho - Reriutaba – CE)