"Você se casaria com alguém como você?"

Parecia uma pergunta despretensiosa, feita em uma roda de amigos provavelmente, ao redor de uma mesa de plástico e algumas cervejas e cujas respostas (algumas) exponho a seguir, a título de passatempo, perto do tempo talvez.

– Sim e não, falou a moça indecisa. Sim, pelas minhas qualidades, que são muitas, sendo a maior delas: a fidelidade, claro. Mas também sou estudiosa, sem contar que tenho apego ao trabalho. No entanto, tenho meus defeitos: não sou objetiva; sou indecisa para decidir que look vestir; demoro para caramba para me arrumar. Meu ex-namorado ficava muito bravo com minha lentidão natural. Mas eu me casaria comigo porque teria a melhor companhia para viajar e ficaria com a cabeça tranquila em saber que jamais iria trair.

Houve aplausos, ao fim dos quais passou-se a pergunta ao próximo mesário, o lacônico:

– Claro, eu sou um amor!

Desta vez, houve silêncio e espera por exemplos. No fim, apareceu apenas silêncio. A bola chegou ao próximo, o meio egoísta/narcisista:

– Sim. Eu me casaria comigo, e eu seria muito feliz, pois toda hora eu me amo, me admiro, me gavo, me venero e tenho muito orgulho das minhas conquistas.

Seria ele o novo Nero? Ou Narciso? Não se pagou para ver, porém.

Quando chegou a vez do homem com H responder, foi enfático:

– Não! Eu não me casaria comigo! Sou homem, e não me casaria com um homem, pois sou heterossexual!

Surgiram avassaladoramente risos, gargalhadas, dois copos de vidro ao chão espatifaram-se, aplausos dentro e ao redor da mesa, e finalmente apareceu o garçom para apartar a algazarra, e falar, muito sério, inclusive:

– Sim, eu me casaria comigo, e falou em tom bíblico: "Um ser humano que não vive para servir não serve para viver".

Não houve objeção alguma à resposta do garçom, com a qual todos pareceram concordar, senão pela lógica argumentativa, talvez pelo receio das represálias que poderiam advir de tal ação, uma vez que se sabe mundialmente que cerveja combina melhor quando gelada.

– Sinceramente, não, disse o pessimista, ao tempo em que um dos partícipes o interrompeu: "Pode mentir se quiser". Sinceramente, continuou o pessimista, prezo pela sinceridade. Eu me sentiria narcisista demais de querer casar com alguém como eu. Aprecio, valorizo e respeito as diferenças. Cada pessoa tem a sua própria identidade, história, personalidade. Isso deve ser respeitado.

Não acredito que eu possa ser completado com alguém igual, mas sim, com alguém".

Não houve aplausos, risos, copos de vidro quebrando-se ao chão diante da resposta objetiva e séria do homem calvo, sério, natural de Quebrangulo. Apenas a alegria geral e provisória, da parte de todos os mesários, de que talvez alguém possa existir.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 21/09/2024
Reeditado em 24/09/2024
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