Rediviva 2 – Viagem divertida e ilustrada

– Leve a máscara! – lembrou a solicita Cecília.

Cecília é a cozinheira da casa da Pena, Refojos, e traz a secar tigelas de marmelada em todos os recantos a que as gelosias prodigalizem réstias de sol. De porte avantajado, como quem sacode espíritos afasta com a mão rugosa umas abelhas que zumbem a iguaria.

– Leve a máscara, menina, que o chófer da Pacense não a deixa entrar na camioneta sem máscara!

Despedi-me da açafata – e da Loanda com um piparote – pendurei a proteção respiratória com o cerimonial do soldado que, no front, se defende dos ataques do “bafo do diabo” inimigo, e saí.

Sobressaltada pela expectativa da entrada na cidade de Santo Tirso, e absorta pelas lembranças da velha tipoia, nem me apercebi da chegada do autocarro.

O veículo aproxima-se altivo e velocíssimo – mais um paquete transatlântico sobre rodas do que um char-à-banc – em que o acesso se franqueia automaticamente, sem necessidade do muxila. Os bancos são magníficos e aconchegados. A viagem decorreu rápida e confortável, numa estrada debruada de glicínias nas inúmeras moradias de casas sobradadas, em cujos jardins se divisavam bagos dos cachos das castas tintas na fase “pintor”.

O coração salta-me no peito, tamanha é a velocidade de deslocação do transporte!

Em reduzido número, os passageiros que se adivinham atrás dos espadaúdos encostos dos bancos têm uma coisa em comum: são jovens, o olhar é vago e abstrato, a boca entreaberta, a fácies parada, inexpressiva e, não fora a cor rosada de um, eu diria que eram imersos num torpor parecido aos acometidos do tifo do meu tempo. Todos tinham numa das mãos um pequeno aparelho plano e lustroso, que castigavam freneticamente com as extremidades dos dedos da outra mão. De quando em vez, um dos apetrechos emitia um esquisito rugido e o usuário balbuciava, então, umas palavras impercetíveis.

A aproximação à soberba cidade de Santo Tirso proporciona uma agradável surpresa! Antecede a Estação da carreira um conjunto de edifícios e paisagens virentes, com uma colina situada a nascente a que preside o novo santuário dedicado a Nossa Senhora da Assunção.

As avenidas são amplas e arejadas, os arranha-céus imponentes, o quotidiano antevê-se tranquilo e pachorrento. Uma sensaboria vírica!

– Pode, por favor, indicar-me o caminho para a Fábrica de Santo Thyrso? – perguntei a um transeunte.

– Fábrica do “Teles”? – retornou um belo moço barbado, indicando-me – trocando “vês” por “bês” – que chegaria à grande indústria se seguisse durante mais de um quilómetro rumando a norte sem sair do “mesmo” arruamento, numa sucessão de abenidas despenhadas no Abe!

No meu tempo, as mulheres andavam a lutar pela sua emancipação. Uma das reivindicações era a liberdade de circular pela rua de bengala como simples acessório do vestuário. Verifico que este anseio não medrou. Já o hábito de fumar – outro litígio antigo do belo sexo – não só se instituiu em grande e definitiva conquista, como passou a ser trajado em público.

Amarílis

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ANTONIO JORGE
Enviado por ANTONIO JORGE em 19/09/2024
Código do texto: T8155195
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