O parto

Naquela manhã chuvosa, Luciana gemia baixinho sentada numa cadeira ao lado da recepção do hospital, sem forças para se levantar e caminhar pelo corredor, como a atendente sugeriu.

Desde as cinco horas da manhã na emergência, acompanhada de sua mãe adotiva, ela aguardava a consulta para confirmar o que já sabia: O bebê de 38 semanas estava nascendo.

A contragosto seguia o ritual de ser mulher/mãe: Gemer, gritar, fazer força, gemer de novo e fazer mais força. Não que ela fizesse questão de experimentar o “glamour” de dar à luz naturalmente.

Na verdade, ela achava que romantizavam demais o parto. Achava desumano submeter uma mulher àquela condição. Queria mesmo fazer uma cesárea, mas ninguém perguntou o que ela queria, afinal parto normal é mais barato. Não teve muita opção, considerando sua frágil condição social.

Sua mãe adotiva não teve filhos, por questões de anatomia feminina, mas sua avó teve oito e sua bisavó doze. Tudo natural, em casa mesmo, como manda a boa natureza. Dona Carminha, sua mãe, dizia que mulher que é mulher tem parto normal. No dia seguinte já está nova em folha.

— Empurra, Luciana, tem que empurrar.

Às vezes a ignorância é a mãe do padecimento. Luciana não conseguia conversar. Em cada contração ela gemia, tremia, apertava os olhos e os braços da cadeira. E entre uma contração e outra, respirava, pedindo a Deus para que o bebê nascesse na próxima.

Já eram três horas da tarde e nada. Dona Carminha, com fome, foi até a padaria comprar um salgado, enquanto Luciana se levantava e caminhava pelo corredor gemendo. O pai da criança? Provavelmente estava desmaiado numa boca qualquer. Os dois tinham apenas 17 anos de vida e de inconsequências.

— Dá licença, moça, alertou um maqueiro empurrando um jovem baleado vindo do bloco.

— Este, pelo jeito, não salvou nem os órgãos. Disse a atendente novinha, com crachá de estagiária.

— Laudelina! — gritou a enfermeira para o bando de velhos e crianças amontoados na recepção. Uma mulher com uma fita laranja no braço se levantou puxando uma criança pela mão.

Dona Carminha, voltou apressada com uma coxinha num pacote, ofereceu para a filha, que mal olhou para saco engordurado.

— Come filha.

— Não dá nada pra ela não, dona — disse uma mulher do outro lado. — Ela pode precisar de cesárea, melhor ficar de jejum.

— Precisa não, moça, aqui não tem segredo. É só espremer que sai. Entrou fácil tem que sair fácil.

Luciana agora gemia mais alto e se contorcia. Depois de mais uma hora, ela foi chamada para a consulta, tendo suas entranhas invadidas para a avaliação, sem cerimônia.

— Três centímetros de dilatação. Este parto vai demorar. Pode ir pra sala de parto, minha jovem, boa sorte. — disse o médico.

Já acomodada numa sala minúscula com outra duas gestantes, Luciana só pensava em expulsar a criança que a rompia de dentro pra fora.

— Não tem ninguém pra ajudar não, moça? — perguntou dona Carminha pra atendente. — Ela tá com muita dor.

— Enquanto o bebê não coroar, não tem muito o que fazer.

As horas passavam lentamente para dona Carminha e às oito horas da noite, já cansada de esperar, ela pediu ajuda novamente. Luciana não gritava, também não gemia. Só suava.

— Quatro centímetros. Só mais um pouco. Já tá acabando.

Meia noite e nada.

— Minha filha não tá bem, tem alguma coisa errada.

— Não se preocupe, logo, logo a criança vai nascer, é só ter paciência que a natureza faz a sua parte.

— Mas ela tá sofrendo muito, tem alguma coisa que a gente possa fazer?

— Ela tem plano?

— Não.

Isso era tudo. A enfermeira mediu a pressão, a temperatura, como de praxe, e saiu. Para ela era só mais uma, menor, solteira e pobre entre tantas. Pensava:

— É, daqui a nove meses ela vai estar aqui de novo.

Luciana só queria que tudo acabasse. Dona Carminha passou a mão na testa da Luciana, estava fria.

Mais médico, mais enfermeira, gente chegando e saindo. Sempre os mesmos procedimentos. Mede a pressão, os batimentos cardíacos, a dilatação e depois a mesma resposta:

— Já vai nascer.

Enquanto isso espreme e nada. Não saía nem criança, nem placenta nem sangue, nada. Dava pra ver a barriga se contrair. Já varava noite adentro quando o médico passou, cansado, de um plantão que começou às sete da manhã. Não era um obstetra era só um clínico. Luciana não respondia mais. Dona Carminha se desesperou.

— Alguém acode aqui!

Foi um corre-corre, Luciana foi levada às pressas para o bloco para uma cesárea de emergência.

Era pra ser só mais um parto normal “normal” como tantos outros. Menina nova cheia de energia, mas ninguém percebeu que um simples exame mostraria que o cordão estava enrolado no pescoço da criança.

Dona Carminha voltou pra casa sozinha naquela madrugada.