Setembro Amarelo: A Urgência de Enxergar e Agir Contra as Raízes do Sofrimento Psíquico

Hoje é dia 10 de setembro, data que originou a campanha do Setembro Amarelo. Uma importante atitude no sentido de salvar vidas, mas creio eu que faz de maneira incompleta, pois contempla apenas o aspecto individual, enquanto deveria também tocar no aspecto coletivo, nas raízes que geram situações de mal-estar, como depressão e suicídio em massa no mundo todo.

Essa data marca o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, uma triste realidade que diariamente ceifa vidas em todo o planeta. Lendo sobre o assunto, vi que dados da Organização Mundial da Saúde ainda no ano de 2019, no período pré-pandemia, registravam mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, e que o Brasil era um dos países que se destacava por ter 38 pessoas que cometiam essa atrocidade consigo mesmas diariamente.

O Setembro Amarelo é uma data importante, pois é urgente e necessário tentarmos combater o suicídio, gerando atitudes que combatam também a depressão que cada vez mais assola a sociedade. O equívoco, a meu ver, dessa campanha, e que eu não advogo a ideia de que ela deve ser abandonada, e sim alargada e melhorada, é que ela toca apenas no plano individual, nos problemas particulares, mas não toca no campo coletivo, o grande gerador do mal-estar na sociedade.

A minha sugestão é que as pessoas pensem e ajam quando falarem de combate ao suicídio e à depressão em atitudes concretas nos dois planos. Temos que entender que vivemos em uma sociedade do cansaço, da extrema exploração do trabalho, onde acordamos muito cedo, onde o trabalhador perde entre duas a quatro horas num ônibus lotado. Dentro do ambiente de trabalho, ele é cobrado a todo instante, tem um salário pífio para pagar contas de alimentos, aluguel, água, energia, que sempre são aumentados pelos altos juros cobrados.

Diante dessa prisão e pressão social, não podemos esquecer que, muitas vezes bombardeados de toscas mensagens de positividade e meritocracia, para render cada vez mais como mais uma mera peça no trabalho, as pessoas sentem a pressão desse fator e de outros e acabam se tornando vítimas desses dois tipos de doenças. Por isso, devemos cuidar dos dois planos.

No plano individual, devemos estar sempre atentos com o olhar próximo e o coração aberto aos nossos amigos e familiares. Devemos cuidar da melhor forma dos nossos entes, dos nossos próximos, fazer refeições com eles, oferecer um lar seguro para os amáveis, pois é através da família que sobrevivemos a todos os aborrecimentos e resistimos com serenidade aos aborrecimentos do mundo lá fora.

Devemos sempre oferecer apoio emocional, estando presentes e disponíveis para qualquer dificuldade, sem muitos julgamentos, com os ouvidos abertos para escutar as dificuldades vividas pelos nossos próximos. Dependendo da situação clínica, incentivar um tratamento, exercitar o ato de ser paciente e compreensivo (tenho melhorado muito nisso nos últimos anos com meus entes), entendendo que há dias ruins e a fortaleza podemos ser nós para essas pessoas em momentos difíceis.

Ajudar nas tarefas diárias, pois para quem tem depressão, essas tarefas podem ser muito mais difíceis de serem realizadas. Quando oferecemos ajuda, como cozinhar, limpar a casa, fazer compras ou resolver outras atividades domésticas, o dia dessa pessoa se torna muito mais leve. Assim como estimular atividades prazerosas, atitudes que façam essa pessoa se sentir melhor.

Do ponto de vista individual, conforme é contemplado na campanha do Setembro Amarelo, é dessa forma, de maneira mais urgente e próxima das pessoas, que podemos, de maneira prática, ajudar as pessoas a não serem contaminadas pela depressão ou por ideações suicidas. E, se contaminadas, ajudá-las a sair dessa situação difícil. Mas, como eu disse no início, a usual campanha do Setembro Amarelo só cobre a problemática do ponto de vista individual.

Nós temos que entender que o sofrimento psíquico é coletivo, incluindo o suicídio. É um reflexo das péssimas condições materiais e das desigualdades estruturais impostas pelo sistema capitalista em que vivemos. Individualizar esse problema é tapar os olhos para suas raízes mais profundas, que são coletivas e estruturais. Além de focar na conscientização e ações individuais propostas pelo Setembro Amarelo, não podemos negligenciar as causas sociais e econômicas mais profundas que geram esse sofrimento psíquico crescente.

O que podemos fazer, do ponto de vista prático, para contemplar esse segundo plano coletivo? Uma forma prática é tomar ações coletivas e políticas rumo à solução, ou pelo menos à proximidade da solução dos problemas que causam essas questões. É essencial se inteirar dos movimentos sociais que combatem o racismo e outras formas de opressão, e apoiar e participar ativamente de sindicatos e movimentos sociais que buscam fortalecer políticas públicas em prol da população mais humilde. Apoiar campanhas de manutenção de políticas públicas como os restaurantes comunitários, por exemplo, aqui no Distrito Federal (de onde escrevo), ação governamental que oferece refeições a preços populares a toda população carente. Cobrar dos governos via sindicatos e outros movimentos sociais melhores condições de trabalho, pisos salariais, políticas de distribuições de renda e etc.

No campo político partidário, por mais que a política muitas vezes favoreça um jogo marcado a favor dos poderosos, é crucial buscar informações para identificar partidos políticos, parlamentares e membros do poder executivo que tomem ações mais próximas da classe trabalhadora. Nesse sentido, é interessante mover ações por meio de sindicatos, participando de paralisações, reuniões, greves, associações de bairro e partidos políticos que estejam mais próximos da causa trabalhadora, pressionando as autoridades públicas para promover políticas que garantam condições de vida mais dignas.

É necessário buscar a geração de emprego e renda, fortalecer o acesso à saúde pública e à educação pública, que estão cada vez mais precários, e fortalecer os serviços de saúde mental. É necessário pressionar governadores e prefeitos para que instituições dessa área cheguem aos rincões do país. Também é fundamental combater as diversas formas de opressão e desigualdade que afetam a saúde mental das pessoas.

Fomentar a organização coletiva e a luta por direitos é um importante instrumento para combater o sofrimento psíquico. Entender que as causas coletivas são as grandes raízes dos problemas individuais. As pessoas que sofrem de depressão são um reflexo da doença coletiva que a sociedade enfrenta. Não vou ser idealista dizendo que esses problemas serão resolvidos de um dia para o outro, mas temos que nos envolver nessas causas coletivas e utilizar os instrumentos à nossa disposição para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores.

Através dos sindicatos e outras organizações coletivas, podemos lutar por melhores condições de trabalho, reduzir a jornada de trabalho, conquistar direitos e lutar contra reformas trabalhistas que tiram nossos direitos. Apoiar associações de moradores que buscam diretamente trazer benefícios para as comunidades locais e atuar em partidos que, embora não sejam perfeitos, estejam mais próximos das nossas necessidades coletivas. Ao longo do tempo, sem passe de mágica, essas raízes que mantêm nossos males psíquicos podem ser gradativamente cortadas, como um grande câncer que nos faz tão mal. Coletivamente, não ser um indiferente, apoiar e participar ativamente de campanhas coletivas e o fortalecimento de políticas públicas são remédios para a busca da saúde mental de todos. A vida é tomar partido, se posicionar contra a desigualdade e outros malefícios coletivos.

10.09.2024

Dennis de Oliveira Santos
Enviado por Dennis de Oliveira Santos em 10/09/2024
Reeditado em 10/09/2024
Código do texto: T8148362
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