Miguel, a Criança Com Consciência de Classe
Estava em sala de aula, realizando meus afazeres, sentado e conversando com os alunos. Em determinado momento, um deles, com muita curiosidade, me perguntou quanto eu ganhava como professor. Brinquei, dizendo que ganhava 100 reais por mês. Ele e outros não acreditaram e continuaram me questionando.
No meio da conversa, um aluno chamado Miguel me surpreendeu com uma visão de mundo muito profunda e uma consciência de classe notável. Ele começou a dizer que não gostava de pessoas ricas, pois as considerava esnobes e geralmente inativas no trabalho. Concordei com ele, e então o surpreendente garoto contou uma história que chamou muita atenção.
O meu aluno relatou que, ao ir para uma festa de aniversário de um amigo, foi jogar bola com um colega dele, mas não gostou de conviver com o mesmo. Disse que a pessoa, um menino branco e loiro que tinha a posse da bola no local, se recusou a jogar futebol com ele, alegando que Miguel era muito pobre. Confessou que teve vontade de bater no menino, de dar um murro na cara dele por esse comportamento.
Fiquei impressionado com a inteligência e perspicácia de Miguel. Ele afirmou que desejava dar uma lição no garoto endinheirado, dizendo que ele se achava um deus por ter dinheiro e pensar que podia fazer tudo com as pessoas. Respondi: “Miguel, você tem muita razão no que está dizendo. Eu também já senti isso várias vezes." Recriminei a ideia de violência por se tratar de uma criança, mas disse que muitas vezes as pessoas ricas têm esse péssimo comportamento.
Me surpreendi e percebi que uma criança de dez anos também pode ter uma forte consciência de classe. Um garoto morador de uma típica periferia do Distrito Federal e estudante de escola pública desde cedo inconformado com as desigualdades que vê ao seu redor e sente na própria pele. A consciência de classe nasce da experiência vivida e a diferença entre ricos e pobres é percebida até nas palavras de crianças.
06.09.2024