Isadora
Isadora mal terminou o ensino médio parou de estudar, só queria estar na companhia das amigas, sair, curtir a noite, e o efeito dessa vida livre foi que cedo se envolveu com um homem, dele engravidou e teve uma filha; por causa dessa gravidez, os dois decidiram morar juntos na casa da mãe do rapaz, este convívio durou alguns poucos anos, infelizmente. Após o nascimento do bebê, Agnaldo, o pai, barbeiro de profissão, decidiu aumentar a sua remuneração mensal, e com o auxílio de um amigo, conseguiu um serviço de entrega noturno numa rede de pizzaria. Um dia, num cruzamento perigoso, um bandido que fugia da polícia num carro roubado avançou o sinal vermelho, atingiu a sua moto em cheio e o jogou para cima de um poste, onde Ele bateu forte e não suportou a violência do choque.
Viúva do seu companheiro, amadurecida, apresentando mais saber sobre a vida, demonstrando novas expectativas de futuro, enfim, outra pessoa, apesar do período não tão longo em que viveu afastada, Isadora, junto com a filha, voltou a morar com a mãe, a responsável pelo convite e por esta sua mudança. A vovó de primeira viagem ficou tão deslumbrada no convívio com a netinha que chegou a demonstrar, de verdade, certo ciúme da própria filha; queria ser Ela a pessoa a comprar o que calçar e o que vestir para a neta, fazia questão de levá-la e buscá-la na escola, brincava com a menina, inventava de desenharem juntas, de colorirem figuras na cartilha. Com uma avó assim atenciosa e tão dedicada, Isadora, com bastante tempo disponível, começou a produzir e vender docinhos de festa por encomenda e voltou a estudar. Foi um período pesado e muito difícil até concluir um curso de Enfermagem.
Com o diploma embaixo do braço ela saiu em campo atrás de uma colocação para exercer o seu conhecimento e ter um salário digno para se sustentar, entregar mais dignidade à vida da filha, e também, poder somar com a pensão da mãe e ajudar com as despesas da casa. Empregada num Posto de Saúde ela vivia em função da profissão e era elogiada pela insistência constante para entregar o seu melhor. Um dia recebeu uma chamada por telefone durante o seu turno no posto médico. Era a mãe que não passava bem e precisava com urgência do seu auxílio. Ela largou tudo e zarpou para socorrê-la, quando chegou a casa, encontrou-a desfalecida deitada sobre o sofá da sala. Tomou-lhe o braço e logo constatou a falta de pulsação, trepou sobre a mãe, afundou-lhe o tórax algumas vezes e, nada, nenhuma reação, e durante o procedimento, fazia apelos aflitivos: Mãe! Eu já estou aqui, acorda! Fez respiração boca a boca, ainda sem sinal vital; puxou-a para o chão - Mãe, fala comigo, mãe - e fez massagem cardiopulmonar, tentou tudo ao seu alcance. As lágrimas lhe escorriam pelo rosto em profusão seguida de súplicas pungentes: - Mãe! Não vá agora, não me abandone ainda, por favor! MÃE! Ô MÃESINHA, não se vá.
Um buraco sem fim abriu sob seus pés, não tinha energia e nem mais forças para retomar a vida, sentia-se culpada por não estar ao lado da mãe neste momento crítico, quando Ela mais necessitou da sua presença, julgou-se destruída, ficou infeliz, pensou, inclusive, no auge da agonia, em acabar com a própria vida. Para si própria foi realmente uma tragédia.
Até que um anjo bom, seu chefe e grande amigo, senhor já vivido e muito compreensivo, surgiu para salvá-la daquele flagelo que a atormentava. Ele, apesar do bom entendimento, aproximou-se sério, chamou-lhe a atenção para a filha quase adolescente, estudiosa, e que deseja se formar médica. Ela depende completamente dos seus cuidados, lembre-se disso. E mais, todos na unidade de atendimento médico, sem exceção, olham para você com admiração pela sua competência, a seriedade com que exerce o seu serviço, e você sabe cultivar amizades. Providenciarei alguns dias de férias até que supere esta perda dolorosa, não se preocupe. Quando já estiver se sentindo melhor, estaremos a postos para recepciona-la no retorno ao seu local de trabalho. Pode contar conosco, e comigo, principalmente.
Estas palavras carregadas de boas energias lhe provocaram um efeito muito favorável e incitaram o seu juízo, Ela passou a intuir a presença de um norte em sua vida, embora a dor lancinante continuasse a lhe incomodar. Recuperou-se por fim do infortúnio pessoal, voltou a desempenhar sua função e agora sonha ver a filha um dia se formar. Diz que, atualmente, o seu maior deleite é receber, em troca do seu atendimento, um sorriso carinhoso de um paciente, às vezes um abraço... Sente-se viva de verdade. Considera-se feliz.