Crônicas das ruas de São Paulo e de Santa Cecília - Sair de casa e ver a extrema pobreza nas ruas de São Paulo
Sair de casa e ver a extrema pobreza em São Paulo
Sair de casa em São Paulo é ver o mundo a seus olhos. No entanto, o mais triste é ver uma das maiores pobrezas em meio a tanta riqueza. Isto por causa da grande concentração de renda e da grande desigualdade neste país, que São Paulo mostra em potência. A cidade onde circula mais dinheiro é a cidade que concentra mais riqueza e expõe em quantidade de gente sem moradia nas ruas é exponencialmente a maior do país.
Hoje saí de casa e já vi uma senhora bela, jovem, na casa entre trinta e quarenta anos pegando comida do lixo. Não sei, quem está nas ruas se torna mais envelhecida e envelhecido além de sua idade cronológica. Não é possível aceitar uma pessoa jovem, bela e na idade de mostrar seus talentos procurando comida do lixo. Não é possível aceitar crianças, adolescentes, adultos e nem idosos. Não se pode aceitar ninguém na rua sem nada e sem comida.
Quando vejo qualquer pessoa na rua sem moradia sempre penso na sua história e sempre imagino o que aconteceu na vida para a pessoa estar nessa situação. Tanta coisa pode acontecer e no átimo de um segundo, por circunstâncias adversas, a pessoa perde tudo e vai procurar subsistir sem nada nas ruas. No caso dessa senhora, nem a extrema injustiça sofrida retirou sua beleza física jovial e não vi nas suas faces ódio, nas suas faces havia uma dignidade preservada a duras penas.
Contudo, do seu lado, encostado em um poste, estava um senhor, com roupas sujas, um cabelo desgrenhado enorme, encrespado por não ter sido cuidado há muito tempo. Pasmem! Este senhor, nessa situação, estava lendo um livro enorme, interessado na leitura e sem se incomodar com o que acontece ao redor. Não acreditei no que estava vendo, uma rua movimentada, um lugar desconfortável e, uma pessoa sem nada, tinha um livro grande nas mãos lendo, sem se importar com o que se passava ao redor numa rua movimentada de São Paulo. Não era uma revista cheia de figuras nem um jornal com manchetes, era um livro.
Fiquei a pensar na situação daquele senhor. Há muitas bibliotecas públicas em São Paulo e no centro, no entanto, na condição de descuidado na qual se encontrava, os seguranças das bibliotecas não permitem que alguém vá ler em alguma. É bem possível que ele tenha encontrado esse livro perdido em algum lugar e passou a ler. Alguns pedem livros em sebos para ler nas ruas e alguns donos de sebos dão livros envelhecidos que ficaram nas prateleiras sem serem vendidos.
Eu mesmo me preocupo com a falta de interesse geral pela leitura e, quando as pessoas que têm casas e têm acessos a lugares de leitura, demoram anos sem ler um livro, por pequeno que seja. E este senhor, sem lugar adequado para ler, sem condições de viver estava lendo. Ninguém deveria estar nesta situação e nem tampouco não ter condições e nem lugar adequado para ler. O que me impressionou foi a superação deste senhor para poder ler na sua condição.
Pessoas comendo comidas do lixo do lado de restaurantes, lanchonetes de vários tipos, casas de bolo e cafeterias. Perto de barracas de frutas e de comidas de rua, churrasco, hamburguer, pasteis etc. Pessoas lendo na rua com um centro com tantos espaços de leitura porque estas pessoas não têm as mínimas condições de cuidados pessoas. Não estou criticando os restaurantes, as lanchonetes, as cafeterias, as barracas de comidas etc. nem os espaços de leitura em si. Estou criticando a organização fundamental da sociedade que permite ocorrer coisas assim.
Não podemos aceitar que um país inteiro jogue pessoas literalmente desvalidas na rua, gente de valor, de talentos vários e de enormes possibilidades de contribuir com a riqueza diversa da sociedade.
Sei que eu falando sobre isto não vai resolver esses problemas imediatamente, no entanto, seguindo os sábios anteriores como Freud e Marx, podemos dizer que é preciso trazer constantemente os problemas à linguagem. Enquanto os problemas não estão resolvidos é necessário falar dos problemas. É também na linguagem que está parte da solução. É claro que somente falar não é suficiente. No entanto, é preciso bradar para pensarmos em soluções efetivas e saber como essas soluções podem ser encontradas.
Se Camus disse que falar do suicídio é o assunto mais importante entre as gentes no período dos anos iniciais e até um pouco mais de meados das décadas do século XX, na França, podemos dizer que, falar sobre a extrema desigualdade e dentro dela, das pessoas que não têm nem casas, é um dos assuntos mais caros ao Brasil hoje. E não é falar por falar, para denunciar somente, para lamentar. É para procurar exterminar com essa chaga no país que ocorreu desde a escravidão. Pois essa chaga foi sempre produzida e tem que ser desproduzida o quanto antes, porque as pessoas não podem continuar nessa situação e todos perdemos com isso, inclusive os super-ricos, que pensam que têm vantagens pelas desvantagens dos outros.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 29 de julho de 2024.