Lembranças
O rapaz estava deveras empolgado a subir aquela longa e íngreme rua. Fazia muito tempo que não ia àquele local e estava ansioso por reviver experiências antigas. Estava disposto a ir à, pasmem, última loja, comprar um presente para aquela garota tão especial e cativante que conhecera a pouco no trabalho. Tinha convicção de que seu sacrifício valeria a pena.
A rua estava toda enfeitada com lindos guarda-chuvas coloridos nos fios dos postes. O movimento do local, para variar, como de sempre. Pessoas descendo e subindo num ritmo frenético, como se quisessem quebrar a barreira do som e alcançar o segundo seguinte na próxima passada.
Subia calmamente a rua, ansioso por observar a beleza das lojas e da arquitetura do bairro, mas era frequentemente interrompido pelos vendedores, que quase se empurravam entre si, em busca um pouco de atenção. Neste momento, pensou em quanto o capitalismo- apesar de necessário-é por vezes cruel e impetuoso.
Parou para observar um talentoso músico que estava tocando com maestria uma linda canção da qual gostava muito e que o fez lembrar com grande nostalgia de seu passado. Lembranças doces e dolorosas foram revividas naquele breve, porém intenso momento. Olhou para o chapéu do artista que estava na calçada e observou que ali havia senão poucas moedas e apenas algumas cédulas de baixo valor, e neste momento também pensou, com intenso pesar ,de quantas pessoas talentosas existem neste mundo, e que ,com uma inspiração quase que sobrenatural, fazem toda a diferença na vida de outras pessoas, sejam por meio de uma música, um poema ou por qualquer outro tipo de meio artístico, e não recebem o reconhecimento merecido. Também se entristeceu por não ter trocados na carteira e por não ter ao menos uma agência bancária por perto para que pudesse sacar algum dinheiro que intentava dar para o músico. Como uma forma de retribuição, e quase que por um impulso, parou timidamente em um canto da rua, fechou os olhos e fez uma breve oração, pedindo com muita fé aos céus que abençoassem grandemente aquele rapaz que tocava tão alegre e talentosamente , e que era ignorado pela maioria dos distraídos e ignorantes transeuntes.
Quando estava quase se aproximando de seu destino, optou por sentar-se em um confortável banco de madeira que havia sido colocado recentemente na calçada. Retirou da mochila um bombom de chocolate e uma lata de coca cola e começou a comer,enquanto observava o lindo pôr do sol cor de lilás ,que majestosamente estava se pondo no lado oposto da praça, formando uma dicotomia interessante com as luzes das lojas e da rua, que iam se acendendo, deixando o aspecto do local e das pessoas mais bonito. Naquele sublime momento, lembrou-se daquela que era a inspiração de seus poemas e sua companheira de todas as horas, mas que a vida, por um capricho do destino, a levou por meio da morte, havia alguns anos. Lembrou-se carinhosamente dos mágicos momentos em que ambos compartilhavam o banco da rua em que moravam, e das lindas e calorosas noites de verão em que ficavam contemplando a bela lua cheia e os inúmeros astros celestes dispostos no sublime céu.
Lembrou-se saudosamente também das inúmeras musicas e poesias que sua amada garota pedia para que ele recitasse. Sentiu um grande misto de amor e dor no peito.Também sentiu uma grande vontade de chorar, mas sabia que ali não era o local e nem o momento para isso. Após se recompor, levantou-se e foi em direção ao seu destino, mas quando chegou ao local, havia uma placa com os dizeres de que a loja havia mudado de endereço. Apesar de cansado, não estava desapontado, pois a ida àquele lugar o fez relembrar de sentimentos que a muito tempo estavam adormecidos em sua alma. Até pensou em escrever uma poesia ou um texto quando chegasse em casa, pois havia ficado inspirado com as experiências experimentadas recentemente.
No caminho de volta, dois pensamentos tomavam conta de sua mente , respectivamente: A de ter que voltar pelo lado contrário da rua para se esquivar dos incomodos vendedores que insistiam em atrapalhar o seu livre caminhar, e que o grande músico estivesse tocando alguma música do seu agrado.