A Dor Fantasma

A gigantesca pilha de papel sobre a mesa já indicava que o horário de saída se estenderia. O escritório era um lugar pequeno, com paredes velhas e mofadas, o ronco do ar-condicionado antigo era constante, um barulho interrompido apenas pela pequena TV que sussurrava para as paredes. Sempre no mesmo canal, transmitindo para ninguém, volume quase inaudível.

Sentiu uma estranha identificação com aquele objeto inanimado: parte da mobília...

Invisível.

Num programa qualquer, um médico de jaleco branco explicava ao repórter:

— "...A dor fantasma acontece quando o paciente sente membros amputados como se ainda existissem. O cérebro demora a entender que aquela parte se foi. Continua enviando sinais e isso pode causar dor intensa…"

Novamente, sentiu a mesma estranha identificação.

Seu corpo inteiro era um membro fantasma.

5h17 da manhã: a mão que buscava o celular para escrever "BOM DIA" antes que a consciência alcançasse.

14h23: O desconforto na garganta enquanto o almoço, antes compartilhado entre risos, descia seco goela abaixo.

22h48: As pernas pesadas que se arrastavam pela casa vazia, limpa, intocada, como território proibido.

Mas a dor real não estava nas mãos, na garganta, nem nas pernas —

estava na falha elétrica entre o que o cérebro insistia em chamar de presença

e o vazio que não responde.

Pensou que, se estivesse numa consulta, o médico perguntaria:

“Onde dói?”

E ela apontaria pra dentro — não pro peito, não pra cabeça —

pra um lugar sem nome.

— Começou ali, doutor. Na despedida.

O corpo ainda inteiro, ainda familiar:

o mesmo rosto que ela conhecia de cor,

as mesmas mãos que já seguraram as dela,

o mesmo cabelo, caindo pela testa.

Tudo estava ali.

E mesmo assim, já não era.

Não passava de um boneco de cera.

A morte, caprichosa, levou a essência —

o riso, a voz, o jeito único de dizer seu nome —

mas deixou aquela escultura cruel esculpida em carne,

uma réplica perfeita, mas vazia.

Um lembrete sarcástico de tudo que ainda era…

e que, ao mesmo tempo, nunca mais poderia ser.

Fantasma.

Não era mais dor.

Era um sistema nervoso em colapso, disparando sinais para onde o corpo ainda sente a presença de algo que lhe foi arrancado.