SEIVA
Debruçado sobre suas inúmeras cavadeiras, Pietro organiza os carrinhos à moda de um trânsito caótico. Um atrás do outro, formam a fila onde, aos ouvidos adultos, soam-se claramente buzinas imaginárias. Mas ele insiste feliz em coordenar sua pequena anarquia, contente por desconhecer a elegância das avenidas entupidas, dos motoristas estressados, donos de um vasto vocabulário em insultos, e dos motociclistas que vestem, orgulhosos, retrovisores como se fossem tênis de marca.
Deve ser por ainda não ter deixado cair as pétalas da inocência, penso. Ninguém, aos quatro anos de idade, está familiarizado com a rotina. A vida parece o abrir e fechar das cortinas: sempre um novo espetáculo.
Tenho receio de escrever com doçura quando, ao redor, o ar parece sempre impregnado de uma tristeza sem nome. Não é desespero — é um tom mais baixo que a esperança, um quase-desalento, com o qual aprendemos a conviver sem perceber.
Ainda assim, o tempo com Pietro traz-me incontáveis situações inusitadas, prontinhas para se embalar em palavras. Se insiste na brincadeira de repetir os hábitos, faz com a sutileza do sopro no dente-de-leão: espalha pela casa a beleza inequívoca do instante. Estou aqui. Agora. E testemunho o desabrochar da vida. Qual outro privilégio se pode querer?
Talvez o melhor seja mesmo sonhar novos ciclos com esperança: e o que é a esperança senão o olhar debruçado da criança sobre o costumeiro?