A Farsa
Hoje me sinto alheio às minhas ideias. Dessa vez, sinto uma solidão diferente, não quero dramatizar, mas agora é diferente. Já escrevi sobre a solidão algumas vezes, mas nelas havia uma espécie de experiência degustativa, ainda que a contragosto. Estou separado das minhas ideias porque recentemente descobri que um objeto num local específico que ornava a minha memória sumiu. Ele sumiu sem a minha atenção. Eu, que tantas vezes falei sobre a atividade da contemplação como substância de sentido de vida, agora me sinto uma farsa. Esta coluna, que você leitor(a), está lendo, se chama Contemplationis por uma razão. Não prestei atenção na ausência do objeto que estava há mais uma década no mesmo lugar. Vivi em vão? Sei que pode parecer bobo, talvez seja, mas é a bobeira que me tocou profundamente.
Meu mundo revirou — a poesia que tanto cultivei soa frígida. Sempre me autocataloguei como contraditório, poeta da incerteza; ora, isso nunca foi um problema, mas no caso da contemplação, era como se fosse uma estetização da experiência humana. Contemplar, diferente do instinto intelectual que naturalmente exerço, é mais do olhar as coisas, é quase um panteísmo: sentir-se parte do todo e romper com a dualidade. Eu olhava as árvores batendo umas nas outras com a força do vento e me sentia a natureza como tal.
Escrevi universos inteiros com a imaginação, constantemente baseados no cotidiano, mas com esse acontecimento, me pergunto o quão distante da realidade abordei. Não me refiro ao realismo, nunca busquei a fotografia da realidade com a descrição em palavras. Falo sobre a essência, sobre o foco de atenção em algo, buscando a impressão mais honesta e profunda do momento. Estou escrevendo com desânimo, tenho vontade de desistir.
Daqui para frente não sei como participarei do mundo, poderia até ignorar e escrever sobre qualquer coisa, mas não funciono assim. A literatura não é uma dissimulação mística como Fernando Pessoa dizia, pelo menos não em absoluto. A atividade escriba é a psicografia da minha alma. Sou frágil. Tenho um mundo só meu que ninguém acessou e nem acessará. Mundo deselegante, muitas vezes melancólico. Isso é uma crônica, acontecimento real, mas com contornos de diário — é assim que piso nas ruas e piso nas minhas idealizações poéticas — vago pelo realismo do meu ser. Tenho a leve sensação de nunca ter escrito algo que preste.
Concluo, portanto, a solidão como desconexão de mim.