Corrompido!

Na excitação constante onde me enfiei esses dias todos, na expectativa de fazer melhor, e diferente, o que eu gosto de fazer destruiu a minha paz interior. Acabei destruindo, em conjunto, todo aquele processo criativo que havia consolidado em mim mesmo.

 

Surgiram ideias novas?

 

De fato sim. Mas amorteceu aquele fogo, aquela paixão inicial, primitiva. Adormeceu o gênio, o criador de mundos, surgiu no lugar um reles imitador dos modismos e frescuras modernas. De verdade, estou com medo de não conseguir mais voltar a criar sequer um breve poema.

 

Estive flertando com a morte da criatividade. Faleceu em mim a vontade de ser realmente livre. Desencarnou o espírito poeta-lírico. Morreu de morte prematura aquele que sequer nasceu.

 

Tenho um trunfo, é certo, mas não sei se tenho a coragem de usá-lo. Seria ousadia demais. Talvez devesse deixá-lo a quem teve a ousadia e coragem de permanecer intocado, desde sua própria origem. Eu me perverti, não sou digno.

 

Lá fora as nuvens choram de tristeza e vergonha da minha infiel ingratidão. Todo céu se escureceu de vergonha dessa minha indigência.

 

Onde já se viu, abandonar a pobre arte assim?

 

Tudo o que busquei foi o lucro, quando o que mais queria, ou precisava era, apenas ser, arte. Me corrompi, troquei meus ideais, os seus ideais. Viver, arte. Serenar-te em meu peito, expressão divina de ser e existir. Exaltando a nobre beleza do Criador.

 

Ser em miniatura um criador, menor em escala, fazendo, neste meu universo pequenino, algo que valha a pena ser visto, listo. Cheio desse sentimento de auto-preenchimento.

 

Mas não. Eu me corrompi. Em nome do exibicionismo fácil, da promessa fútil de ganhar um pouco mais de curtidas. Esqueci-me que o alimento mais doce é este que me alimentava os sonhos em nome da simples sobrevivência da criatividade.

 

O que fazer?

 

Recomeçar.

 

E a corrupção que me tomou?

 

Quem sabe algum dia eu possa me perdoar? E em voltando a ser, somente em nome da

criatividade, da arte, não possa me redimir desse crime hediondo? Matei a arte em mim mesmo que, fracamente, queria ser apenas a sua ínfima e parte.

 

Meu triunfo?

 

A arte nunca morre, por mais que atentemos contra sua vida, mesmo que seja em nós mesmos.

 

Então ela sobreviverá, mesmo eu estando corrompido.

 

Josemar Fonseca
Enviado por Josemar Fonseca em 17/11/2024
Código do texto: T8198966
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