Sobre a Ausência

No dia que completaria quatro anos um naquele momento já póstumo namoro entre Kauan e Sarah, ele estava deprimido e veio passar a tarde comigo. Me viu lendo (como bem sabe e fincou em seu subconsciente, também estou deprimido) e manifestou desejo de juntar-se a mim (associou a poesia a uma espécie de remédio para os “tristecídios” da mente).

Foi ao quarto e catou um livro na estante. Folheou, folheou, folheou... até encontrar o poema curto o qual buscava, um que pudesse ler sem fatigar os neurônios. Declarou em voz alta os primeiros versos do autor (um tal Vinicius), diziam:

“Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.”

Sua testa enrijeceu e seus dedos fecharam o livro em uma ação elétrica, impulsiva, desconcertada e, para mim, cômica. Reagi com um cruel sorriso ao notar sua face assustada e vê-lo envergonhado como alguém que acabara de ter sua intimidade emocional contrariada. Seus olhos miraram o vazio violentos como um revólver, profundos como um abismo. Após vencer o característico silêncio da catarse, falou bem baixinho:

—Poxa... Vou ler esse livro mais não... Talvez amanhã eu termine...

João V Moreira
Enviado por João V Moreira em 12/11/2024
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