Ciranda, cirandinha

Suas pernas se moviam de um lado para o outro, aparentava estar dormindo, mas por estes movimentos, podia-se deduzir que fingia. Fingia porque doía menos do que, de fato, olhar para a realidade que a cercava. Vestindo um gorro, chinelos, meias que abraçavam seus pés inchados, queixava-se de frio. Se remexia inteira, parecia cantar em sua mente uma música tranquila e doce, que a fazia fechar os olhos e sorrir. O ritmo de seu remelexo era o mesmo, o que me fazia confirmar que ela estava numa espécie de ritmo repetitivo em seu cérebro tão ocupado ou tristonho. Indaguei-me o que esta senhora tinha feito antes de eu encontrá-la naquele estado numa noite de novembro, com cheiro forte de urina amarela de dias passados. Abriu os olhos.

— Que frio! Muito frio! Ah! - Gemeu.

Me questionava se eu não sentia o mesmo, me fitando com aqueles olhos caídos. Eu a respondi dizendo que não, e que estava apenas de calça porque era costume. Ela desviou o olhar, passou a ver aqueles prédios enormes e carros caros passarem na avenida, enquanto eu pensava no que poderia escrever sobre ela. Eu vi a senhora de perto e aquele cheiro me trazia o receio de ficar do mesmo jeito, com o mesmo aroma.

Não! Não dá para continuar assim. Esta senhora, coberta de lençóis e cobertores quentes, com esta touca rosa e esses brincos brilhantes, não pode ser alguém que não possui família. Não! Esta senhora, se possuir, acabou de perdê-la. E se fosse uma mulher cuja família acabou de deserdar? Ou uma senhora que fugiu de alguma casa de idosos ou que simplesmente decidiu sair de seu conforto do lar às 22h24 da noite para apenas dormir no sereno da noite? Numa chuva daquelas...?! Não creio!

Um outro menino se aproximou, típico daqueles conhecidos trombadinhas de rua. Com um cifrão na nuca, o menino, que aparentemente tinha dez anos, se sentou no espaço entre mim e a velha. Irritada, ela ordenou que o menino saísse dali, e que fosse procurar outro lugar, porque queria o moço (eu mesmo) sentado perto dela. O garoto saiu, o pessoal ao redor estranhou, mas eu me sentei ao lado da senhora. Ela pedia para eu me aproximar mais, mas afirmei que estava confortável onde eu estava.

— Você nunca me viu aqui. — Com cara séria. — Certo? — Levantou as sobrancelhas.

— Sim. E você nunca me viu aqui também. — Devolvi, também levantando as sobrancelhas. A senhora começou a me perguntar de onde vim, e o que eu fazia. Disse-me que chegara na cidade naquele exato dia, e que sua irmã não sabia. Ela teve seu celular roubado, portanto, não foi avisada.

— Não precisa ficar desconfiado de mim. — Não lhe farei nada. — Jogou no ar. Olhei para ela e ao franzir a testa, talvez tenha passado-lhe o pensamento de que "eu nem pensei em nada!". Mas eu pensara sim. Lembrei de Dona Irene, que me avisava sobre as mulheres que davam doces às crianças no relento da noite. Não sou mais criança.

Música de criança.

Música de criança!

Esta mulher tinha filhos. Cantava baixinho uma música infantil.

Seu cheiro de urina era muito forte. Fingi que atenderia uma ligação e me levantei. Me perguntei durante todo aquele tempo o que a senhora podia estar fazendo naquele local, e de onde veio. Não parecia ser da vida do crime, estava bem arrumada, como uma vovó. Questionei-me se ela sofria de alguma doença que a fazia perder a memória.

A pergunta essencial deveria ter sido feita: Quem você não é?

Quando peguei o ônibus, uma mulher me disse que esta senhora está todos os dias no mesmo ponto, contando as mesmas histórias.

— Não a escute. Nada do que ela conta é o que de fato aconteceu. — E passou a catraca do ônibus, sentando-se.

Histórias de ponto de ônibus. Por isso que dizem que pobre tem muita coisa para dizer.