A Simplicidade que Custa Tão Pouco
Na madrugada insone, dessas que o silêncio pesa mais que o cansaço, me deparei com uma live despretensiosa. Era o Fly, o ex-You Can Dance, dançarino que, por tanto tempo, brilhou nas noites vibrantes de shows e coreografias. Mas aquele homem que eu via na tela não era o mesmo dos palcos. Ele falava de algo bem mais simples, quase como um sussurro em meio ao caos do mundo: blindagem.
"Blindagem é a solução para tudo que está acontecendo no mundo hoje", disse ele, quase como quem joga uma verdade no ar e espera que alguém a apanhe. Eu a apanhei. O que me chamou atenção não foi apenas a frase, mas a serenidade com que ele falava da própria vida. Sim, Fly, aquele que eu via cheio de energia em eventos noturnos, agora se transformara em alguém que vive de forma leve, quase desacelerada, à sua própria maneira.
Ele não usa Pix, vejam só. No mundo onde a velocidade dita as regras e onde tudo deve acontecer num piscar de olhos, ele prefere a lentidão da leitura de um código de barras. Paga à vista, procura o desconto e sorri ao dizer que isso lhe basta. E se não for prático? Que diferença faz? "Eu tenho o tempo", parecia dizer nas entrelinhas. E ele estudava sobre isso, a tal educação financeira, há mais de 20 anos. Eu me peguei refletindo se não estamos todos numa corrida sem rumo, enquanto ele, pacato, segue no seu caminho traçado com tranquilidade.
Mais curioso ainda foi descobrir que, nos últimos quatro anos, Fly tomou uma decisão que me fez repensar tanta coisa: parar. Parar com as noitadas, parar com o excesso, parar com a gritaria que o mundo insiste em nos jogar. Ele deixou as aulas de coreografia, e passou a blindar sua mente. Nada de jornalismo que só traz desânimo, nada de programação que não soma. Simplesmente, ele optou por consumir apenas o que lhe faz bem.
E eu, que assistia à live às duas da manhã, me peguei pensando: será que poderia ser assim também?
Fly vai dormir às sete da noite e acorda às quatro da manhã para treinar. Imaginei a escuridão da madrugada, o frio na pele e os pés calçando os tênis de corrida, antes mesmo que o mundo desperte. Corro para apagar as luzes e fingir que não escuto o caos lá fora. Ele, ao contrário, corre ao encontro de sua própria paz. Me pareceu libertador.
No meio de tanta disciplina, Fly ainda encontra tempo para a família. Ele não se ausenta da vida que construiu. Aliás, ele está mais presente do que nunca. Parece que o segredo da harmonia está aí, no equilíbrio entre o estar presente e o se ausentar de tudo aquilo que não nos agrega.
Ao fim da live, desliguei o celular e fiquei com aquela sensação de que viver não precisa ser tão complicado. Talvez a simplicidade seja mesmo a grande blindagem contra tudo que está acontecendo no mundo. Fly me mostrou que, às vezes, é possível seguir devagar, escolher o que consumimos e encontrar tempo para o que realmente importa. E isso, no final, custa tão pouco.