A neta
Ele veio em minha direção depois de mais de cinco anos sem nos vermos. Radiante de saudades e com efusiva emoção nos abraçamos e entramos no bar que sempre frequentávamos e, para meu espanto, ele pediu uma coca.
Perguntei com cara de paspalho:
- Qual é a tua Zeca? E o cuba de praxe?
Ele iniciou a narração das agruras que vivera nesses tempos em que nos afastamos.
- Meu amigo Rubem, se soubesses o que me aconteceu nesses anos que não te vi e nem vi os meus amigos, talvez me desses razão.
Parei de beber, de fumar e não saí mais de casa, tudo por causa de uma mulher.
Eu pensei rápido e engatilhei as palavras:
- Logo vi, finalmente assumisses que és mais um mandado. Tua esposa proibiu de saíres, beberes e fumares e aceitastes assim como todos nós.
- Não é nada disso, cara. Como temos tempo antes da turma do dominó chegar, vou te contar. Meu filho mais velho me deu uma neta. Como ele e a minha nora trabalham fora, a menina ficou aos meus cuidados e da minha esposa. Passei a me apegar à pequerrucha e a amava como se ela fosse minha filha. A menina era meu sonho, pois como sabes tenho três filhos homens.
- Até aí tudo bem. Mas por que desses um basta nas coisas belas da vida: cachaça, dominó e amigos?
- Acontece que a netinha correspondia ao meu amor, me abraçava, me beijava e dormia comigo sempre que podia. Nos demos tão bem que até nos apelidaram de chicletes. Eu, aposentado, tinha todo o tempo do mundo para dispensar à princesa. Ela agradava e cobrava, na sua ingenuidade, os préstimos de seu súdito. E assim o tempo foi passando. Parei de fumar, porque não queria que ela sentisse o cheiro da nicotina. A bebida alcoólica foi jogada de lado para que não sentisse vergonha de mim e pudesse se orgulhar perante as amiguinhas, dizendo:
- Meu avô é meu amigo, ele não bebe e não fuma.
Resolvi interpelar, já que a mistura de coca com vodca estava quase acabando e logo iríamos começar as rodadas de dominó.
- Cara, até aí tudo bem. Porque voltastes? O que aconteceu?
Ele agora com a voz um tanto trêmula detalhou.
- A netinha foi crescendo e falando coisas que me deixavam cada vez mais bobo e convencido. Frases do tipo: “Quando eu crescer eu quero casar contigo.”, “Eu sou uma gatinha e o vô é um gatinho” e “Sabem de quem eu gosto mais? Do vô, da mãe, da vó e do pai.”.
E continuou.
- Isso me deixava tolo e sempre a presenteava com aquilo que pedia. Dois meses depois do seu quinto aniversário, fui dar uma volta com ela. Ao atravessar uma rua um sujeito passou a mão no meu bolso, tentando roubar a carteira. Rapidamente larguei a mão dela e segurei a carteira. A minha menina nada percebeu e, sem a minha proteção, pôs-se a caminhar. Um carro em disparada a atropelou. Até hoje, tenho em meus olhos aquela imagem da menininha, ensanguentada, porém com um sorriso nos lábios. Era um olhar de felicidade apesar da tragédia. Foi a lembrança mais pura e linda que alguém pode nos deixar e o mais rico dos presentes que nos fortalece para a vida.
Nos abraçamos, choramos e enxugamos as lágrimas. Sentamo-nos e, como nos velhos tempos, batíamos qualquer opositor no dominó.
Aroldo Arão de Medeiros
22/04/2007