Meu menino

Olha, serei bem sincero: tenho acumulado dívidas e favores constrangedores. Não é por nada; todo mundo passa por provações, seja de terra ou de ninar. Mas não pedi para ser Jó e nem entendo esse propósito. Em alguns momentos, tomado de reflexões, chego perto de uma ou outra verdade. Salto de quem vê cobra da cadeira e me embrenho no meu roçado... É pequeno, mas ali, perto dos alfaces, vejo meu pé de cidreira frondoso e a cerca que corre, enquadrando meus braços e meu olhar.

Dizem que a clareza vai nos tomando com o tempo, como se da inevitável desordem saltasse uma bailarina de frevo. Acho que decorei seus passos: ela gira, abaixa, salta, levanta e se conduz por linhas que acompanho em pensamento, mas sou incapaz de dançar. Talvez a idade traga essas águas de canoar ou talvez ela nasça de alguma força primitiva, como a tendência natural de ser quem eu sou... Se bem que já faz uns 20 anos que me embrenhei neste meio de mato buscando Potiraguá; nunca cheguei nem perto das suas serras ou daquele menino corajoso que me assombra... Tenho precisado de auxílio, e isso me mata... Gosto de pensar que, em algum momento, enquanto colho cebolinha e distraído me encanto com meu engenho, ele vai entrar na ponta dos seus pés descalços. Então, me tocará; eu viro, o abraço, e nunca mais o solto... É, tenho precisado de ajuda... Mas aqui, dessas águas calmas, sequer vejo aquela ou a outra margem... Mas fico feliz porque sei ser triste.