LADRA DE HISTÓRIAS: UMA LEITORA POR CURIOSIDADES

É inegável a função humanizadora da literatura, ela tem a capacidade de promover reflexões sobre o mundo, sobre as emoções e sentimentos. Quem nunca foi do riso ao choro pelas conquistas e derrotas de uma personagem? Foi com a descoberta do poder humanizador da literatura que eu me tornei leitora e escritora. Vejam só a minha experiência...

Tudo começou por volta dos meus 10 anos, sendo uma ladra de histórias. Ficava escondida a observar a minha irmã, que tinha uns 22 anos de idade. Ela se deliciava lendo um livro, mantinha-se de pernas cruzadas, soltava doces gargalhadas, frigia a testa... parecia que naquele momento era só ela e o livro. Depois da leitura, guardava o livro cuidadosamente, parecia que queria escondê-lo. Eu ficava inquieta, preza em minhas curiosidades: "O que havia de tão interessante naqueles livros?".

Certo dia, decidi que deveria viver aquela experiência. Comecei a vigiá-la, descobri que os escondia numa caixa, debaixo de uma cama com colchão de molas (ele era extremamente pesado, o que favorecia que ninguém arrastasse a cama para bisbilhotar). A partir desse dia, quando ela ia para o colégio estudar, a minha rotina era entrar debaixo da cama, puxar a caixa e passar horas a fio lendo, eram livros deliciosos. Lembro-me que cada romance tinha nomes de mulheres, Sabrina, de Kristin Gabriel; Bianca, de Ane Mather; Senhora, de José de Alencar, e tantos outros. Vivia cada história como se fizesse parte delas, cruzava as pernas e ficava imitando o jeito de minha irmã ler. Ah! Eram belas histórias de amor, eu amava cada personagem, vivia suas emoções e desejava o sucesso de umas e as punições de outras, sorria, chorava, vibrava, sofria... era um bombardeio de sentimentos.

Na minha inocência, achava que ela escondia de mim porque eram fortes histórias de amor e, certamente, não deveria ser um conteúdo adequado para uma menina de 10 anos. O interessante é que comecei a buscar nas paquerinhas da escola as características emocionais das personagens dos romances. Foi um momento mágico, conheci vários lugares e várias personalidades. Vivi experiências de amor diversas: das mais frustrantes ao final feliz!

E como se deu a minha experiência escritora? Ah a escrita! Declarava-me todos os dias para o Meu Diário, não sabia que esse gênero textual existia, aliás, nem sabia que era um gênero. A descoberta foi quando pratiquei o meu segundo roubo. Às escondidas, percebi que minha outra irmã mais velha sempre estava a escrever, num dia fazia esse ritual com aspecto triste, noutro mais alegre. Tinha dia que apertava o punho com raiva, como se estivesse a descontar no papel a sua ira.

Então, tomada de curiosidade pratiquei o delito de roubar o seu diário, descobri fortes emoções: amores vividos, amores rompidos, a decepção de ver o seu amado casando-se. Ah!!! Chorei junto com ela. Foi aí que percebi que eu também poderia desabafar por meio da escrita. Então, comecei a escrever minhas poesias de amor pensado nas paqueras de minha rua. Falava das aventuras com meus colegas, das traquinagens na escola... Não tinha um só dia que eu não escrevesse. Depois de escrever, eu escondia a sete chaves para que ninguém se empossasse de minhas escritas, afinal, como ladra de texto que eu era, sabia das manhas. Não sei se consegui manter esse sigilo, de repente pode ter surgido uma ladra depois de mim.

Essas e outras lembranças até hoje me encantam. Elas me ensinaram a amar a literatura e a expressar meus sentimentos e emoções por meio da escrita literária! Nunca pensei que minhas peripécias de ladra de histórias fizessem de mim uma amante da literatura!