Conversa com minha mãe

Mãe, que saudades sinto da senhora. Das canastras de mano que nunca quis jogar. Hoje se a senhora aqui estivesse eu jogaria para lhe satisfazer e também a mim. Eu dizia que desaprendia. Ledo engano. A senhora aprendia e cada vez jogava melhor.

Saudades de quando éramos pequenos e todos os irmãos íamos para cima da cama só para ter o seu carinho e afeto.

Parecíamos os pintinhos em volta da galinha a nos proteger de todo o mal do mundo.

Não peguei a época em que a senhora dava palestras aos jovens, mas deveria ser maravilhoso. Todos os jovens, hoje mais velhos, falam da senhora com grande carinho.

Mãe, espero lhe encontrar no céu um dia e dizer com a boca cheia:

- Te amo e todos os teus filhos também, sem exceção.

Mãe, quantas vezes nos defendeste das surras do pai. Homem que soube nos educar sem sorriso.

Hoje agradecemos a Deus tudo o que a senhora e ele fizeram por nós.

- Aroldo, vendo aqui das alturas o mundo aí, que vocês vivem, percebo que não estava muito errada, quando proferia: “O homem tem direito a sete mulheres e meia”. Invariavelmente alguém me perguntava:

- Para que a meia mulher?

Respondia com ar de sabedoria:

- “É para troco”.

Quando alguém manda outra comer m., lembro-me da senhora que não falava palavrões com o peso forte que hoje até crianças publicam normalmente. A senhora substituía com a nossa conhecida:

- “Vai comer manta”.

Mãe, até hoje não sei o que a senhora pretendia dizer com:

- “Cheira na chonga”.

- Meu filho, não diga para ninguém que eu utilizava essa frase.

Prometes?

- Prometo.

- É a parte pudenda da mulher.

Mãe, o pai de vez em quando conta a história de quando a senhora embarcou no carro com os pesos nos pés, para fortalecimento dos músculos. Quando saltaram na Lanchonete Engenho, para tirar a barriga da miséria, a senhora reclamou que as pernas estavam cansadas. Pudera, a senhora ainda carregava o utensílio de trabalho da fisioterapia. Estes foram devolvidos duas semanas depois, pois estavam na metade da viagem e atrasariam em demasia.

- Mãe, ele conta este fato inusitado, com carinho e muito amor.

Mãe, dia desses, conversando com o João Batista, do Movimento de Irmãos, este me contou que presenciara o fato que ocorreu no salão de festas da igreja. Já conhecia a história, mas contada por uma pessoa que não é parente, fica mais verídica e engraçada. Um grupo de casais vestido com roupas tradicionais portuguesas dançava ao som da música que fez sucesso com o Gugu Liberato: “Pintinho Amarelinho”. As mulheres estavam vestidas de lavradeiras remediadas e os homens de lavradores ricos. Elas com saias pretas de baeta com diversas barras em veludo, aventais em veludo, faixas de algodão, blusas de linho com gola em bordado, xales, lenços de cabeça, meias rendadas e chinelas. Os homens usavam calças pretas com faixas de algodão, botas, jaquetas, coletes, camisas de linho, chapéus e cajados. As saias eram bem largas e numa rodopiada que a senhora deu a saia caiu. Sem perder o senso de humor que lhe era peculiar, continuou dançando, mas sua calcinha, que não era pequena foi mostrada ao público que ria, aplaudia a senhora, também aos outros participantes, mas principalmente o incomum acontecimento.

Mãe, a minha esposa é a melhor cozinheira que conheço. Peço licença para declarar a verdade que não a machucará porque nos amamos e podemos contar nossos sinceros sentimentos. A senhora na cozinha era uma lástima. Todavia tinha uma comida que apreciava demais: Roupa Velha. Como todas as mestres-cucas de hoje a senhora usava azeite, cebola, tomate, alho, pimenta do reino e farinha de mandioca. Todavia, enquanto elas usam toucinho defumado e carne cozida desfiada, a senhora aproveitava sobra de carnes do almoço anterior e provavelmente algum ingrediente que para mim passava despercebido. Foi a melhor comida ingerida por mim.

Voltando aos palavrões que comparados com os dias de hoje são palavrinhas, quando algum filho perguntava:

- O que tem para comer hoje?

A resposta todos sabiam.

- Cu de elefante.

O seu neto, Ariel, me contou algo que ele nunca esquece e que o ensinou a respeitar os mais velhos. Num dia em que todos os familiares estavam reunidos, um tio dele mandou que desse a volta na casa para dar um susto na senhora. Ele, criança obedeceu prontamente. A senhora, que não dormia em serviço, prestou atenção disfarçadamente e quando este se posicionou atrás para assustá-la levou um tabefe na cara e a reprimenda:

- Isso é para aprenderes a não perturbar os mais velhos com sacanagens e não fazer tudo o que te mandam.

A Lucimar (minha irmã), conta com saudade e amor o que aconteceu numa lanchonete, na rodoviária antiga de Florianópolis. Pediu dois X-saladas para o garçom, que, uns dois minutos depois, colocou sobrea a mesa o porta-guardanapos. A senhora que jamais havia saboreado X, Y, ou Z, disse:

- Vamos, Lucimar.

- Vamos aonde mãe?

- Comer. O garçom já trouxe.

Ela conseguiu segurar o riso e explicou o que era aquilo.

Mãe, desconfio que o pai quando sai de casa ainda lhe fala:

- Pedrinha, vou à padaria.

E lá de cima, pertinho Dele, vem a resposta:

- Vai com Deus.

Aroldo Arão de Medeiros

22/06/2008

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 16/09/2024
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