É domingo de tarde, e eu recoloquei o pijama. Acordei tarde, depois de uma noite cansativa, chata e longa demais para o meu gosto. Perdi mais um nascer do sol, perdi mais um presente para a alma. Perdi a oportunidade de me aquecer do friozinho bom da manhã de inverno no calorzinho delicioso do sol ainda criança, sorrindo no despontar de mais um lindo dia. Me deitei agora para compor, mas o sono me assaltou, quer me embalar em suas carícias carentes, atraentes, irresistíveis. Resistirei o possível, até um pouco mais, se possível for, até que minh'alma se liberte de mim e se vá, onde quer que seja o mundo dos sonhos. Mundo onde os poetas encontram inspiração para os mais lindos versos, de onde as mais lindas canções fogem para nosso mundo imperfeito e criminoso. Para onde a gente vai, quase toda noite, afim de fugir dos problemas, grandes demais para enfrentarmos sozinhos, pequenos demais para os entregarmos confiantes a Deus, crentes que Ele não se importa conosco - engano venenoso do qual nos matamos todo dia, com doses invisíveis de descrença e medo.

     Os minutos passam no relógio e tenho a sensação que vou-me indo para esse mundo fantástico, no momento em que sobem aos céus uma revoada de pássaros barulhentos. Ora pois, não são barulhentos, são felizes. É uma revoada de passarinhos felizes pelo sol que os ilumina num dia tão bonito. E eu aqui trancado no quarto só observando as sombras na janela entreaberta, lutando contra o sono que insiste em me embalar, por mais que eu lute contra ele. Ao longe ouço o sino da igreja anunciar o fim do dia. Começa a escurecer, mas o pôr-do-sol não poderá ser visto desta vez. Nuvens negro-acinzentadas encobrem o firmamento parcialmente estrelado, parcialmente ensolarado, este lusco-fusco brando calmante dá ainda mais forças ao sono bom que me cutuca à alguns minutos. Posso sentir meu corpo se desligando aos poucos enquanto tento escrever mais algumas linhas, os olhos pesados a cada segundo que vai passando. Me levanto. Preciso acender a luz para continuar escrevendo, afastando um pouco o sono também. Dou uma olhada para o firmamento através do vidro sujo da janela, podendo perceber algumas cores e luzes vibrantes atravessando o céu negro de chuva. Bem no alto um pássaro passa silencioso em retorno ao lar.

     Fechadas as janelas, e de retorno à meu pequeno duelo com o sono. Relembro a luz que vi atravessando o céu nevoento, lembrei-me de uns versos de uma canção divina, que evocava à mente essa mesma imagem. Fechei os olhos e tentei recordar detalhes da letra. Impossível, o sono me chamava ao sonho de uma noite passada, onde pássaros luminosos atravessavam na minha frente cantarolando suas músicas de ninar extremamente coloridas, em meio a uma floresta estranhamente clara e ornada com as mais lindas árvores, que não eram deste mundo, nem os pássaros, nem as árvores, muito menos as canções de ninar. No mesmo instante que recordo minha luta contra o sono, afim de compor alguma coisa útil, ou inútil. Descubro que acabo por me despertar do mesmo, revigorado. A luta foi em vão!

     No início dessa composição a minha idéia era de um parágrafo único. Apenas algumas linhas sobre sonhar, sobre fantasiar, sobre viver bem... O sono chegou e me roubou a idéia, eu quis enfrentá-lo e me perdi em mim mesmo. Desafiei as horas, e o sono se vingou de mim e me retirou todo o final de domingo. Anoiteceu já a algum tempo, e não sei mais se o sono vai voltar, acho que passarei a madrugada toda a esperar uma nova chance de duelar com o grato amigo, o sono.

 

Josemar

Enviado por Josemar em 26/07/2010

Código do texto: T2401380

 

Não é mais o julho frio que era em 2010. É um setembro calorento e preguiçoso. É domingo. Aquela soneca de antigamente ainda me inspira alguns versos.

Josemar Fonseca
Enviado por Josemar Fonseca em 08/09/2024
Código do texto: T8147342
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