Casamento de cinema

Cláudio foi convidado pelo irmão, para o casamento do sobrinho. Levou a filha, o genro e o sogro da filha.

O enlace aconteceria no Rio de Janeiro. Foram sem saber como seria a cerimônia e muito menos a festa.

Pessoas simples que são, do sul de Santa Catarina, ao chegar ao local ficaram boquiabertos com a beleza. Recepcionados por dois homens, quase não puderam entrar porque haviam esquecido os convites. Graças à interferência do noivo, que permaneceu um tempo próximo à entrada para resolver esses pequenos entraves, puderam desfrutar da festa. Tendo chegado cedo demais tiveram tempo para percorrer o lugar. Belíssimo segundo eles. Registraram tudo na máquina fotográfica digital, nesse momento o objeto mais valioso em suas mãos. O nome da propriedade fazia jus à imponência: Garden Party.

Logo deduziram que a noiva era negra: praticamente metade dos convidados também era. Todos estavam vestidos a caráter e elegantes. Aos poucos foram sendo ocupadas as cadeiras, ao ar livre, defronte ao altar. Conversa vai, conversa vem, souberam que os noivos se conheceram num navio da Petrobrás. Ela piloto e ele marinheiro. Namoraram, se apaixonaram, não necessariamente nessa ordem, e depois de algum tempo resolveram casar.

Economizaram dinheiro e durante seis meses pagaram as despesas, pois queriam oferecer uma festa inesquecível aos convidados.

Só faltou na cerimônia um coral com músicas gospel, já que a elegância de três testemunhas lembravam Dionne Warwick, Donna Summer e Glória Gaynor no começo da carreira. Os modestos convidados imaginaram essas três negras, belas e de vestidos longos cantando a música Oh! Happy day.

O noivo, acompanhado da mãe, percorreu a ala entre as cadeiras embalado pelo som inebriante de um solo de saxofone.

Depois vieram as testemunhas e, por fim, a noiva e o pai.

Sobre um tapete vermelho caminhava uma morena jambo de olhos verdes e sorriso brilhante que ofuscava os convidados. As daminhas e seus pares completavam o séquito.

A cerimônia, nada enfadonha, foi rápida, apesar do pastor ter se alongado nos elogios ao casal. O pai da noiva, que depois souberam ser também pastor, usou o microfone e, emocionado, pouco conseguiu falar sobre a filha. Os noivos fizeram a tradicional troca de alianças e o cerimonial pediu que se beijassem diversas vezes, para que os fotógrafos não perdessem o momento. O pastor sugeriu então que eles dissessem algumas palavras ao microfone e o noivo antecipou-se:

- Eu te amo e sempre te amarei, minha neguinha.

Depois dos risos dos convidados, a noiva foi lacônica:

- Eu também.

Viram lágrimas rolar nos rostos dos mais emotivos. Uma salva de palmas vigorosa soou quando os noivos iniciaram a caminhada pelo meio dos convivas.

No salão, garçons esmeravam-se em servir. E a turma se esbaldava no chope, no uísque e nos canapés. Tão sofisticadas as iguarias que muitas eles nem conseguiram identificar. Estavam mais acostumados com os rissoles, às coxinhas e aos quibes.

A música ambiente era tecno dance, ou outro nome que possa ser dado àquelas batidas ensurdecedoras. No auge da festança, uma micareta, esse carnaval fora de hora que virou moda. Distribuíram aos homens chapéus brancos, de plásticos, do tipo caubói. Para as mulheres, brogúncias para a cabeça e gargantilha de luz néon.

Finalmente chegou a vez dos docinhos que, para eles, fechariam com chave de ouro: morango com nata, licor num copinho de chocolate, quindim e uma quantidade interminável de doces exóticos.

O bolo da noiva, até o momento em que os quatro foram embora não havia sido cortado. E não era para menos. Era uma obra de arte que trazia no topo os bonecos representando os nubentes: ela sendo carregada nas costas pelo apaixonado.

E como diz o ditado: “dia de muito, véspera de nada”. Na manhã seguinte, acordaram tarde e, como se tivessem saído de uma tela de cinema, caíram na realidade. Foram almoçar na Feira Nordestina. No lugar de uísque, cachaça e refrigerante. Em vez de salgadinhos, cabrito ensopado, buchada de bode e mocotó. De sobremesa não haviam docinhos sofisticados e sim cocada e rapadura. Tudo ao som de dois repentistas que quase rasgavam a garganta nos agudos.

Aroldo Arão de Medeiros

29/09/2006

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 29/08/2024
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