XIII - O Idoso Pobre que Descansava em Deus

O idoso pobre que descansava em Deus

Série Crônicas – Texto 13

Eu ainda era adolescente quando, certa vez, indo para o trabalho, me encontrava caminhando apressadamente sobre o famoso Viaduto do Chá, no centro da cidade de São Paulo, no sentido do teatro municipal.

O sol estava quente e o viaduto repleto de pessoas naquela tarde de tal modo que não se podia visualizar o fim dele, como era característico daqueles tempos entre os anos 1979 e 1980.

Me lembro que, costumeiramente, havia em toda a sua extensão diversos pedintes e vendedores de quase tudo o que pudessem carregar e recolher facilmente, caso precisassem fugir dos fiscais da prefeitura.

Além deles, também era comum encontrar alguns adivinhos e magos que atraiam a curiosidade de muitos, aumentando ainda mais os aglomerados que atrapalhavam o trânsito dos pedestres nos dois sentidos do calçamento em ambos os lados do viaduto.

Estes empecilhos me irritavam porque me provavam no meu objetivo diário de chegar no trabalho o mais cedo possível, pois naquela época a minha equipe era dispensada pela chefia assim que conseguisse terminar o serviço antes do fim do expediente à meia noite.

Mas naquele dia eu estava numa daquelas crises de raiva e inconformidade que marcam a vida da maioria dos adolescentes enquanto caminhava vigorosamente, pisando duro no chão.

Porém, enquanto eu lidava com os meus conflitos, o som de uma buzina musical ao longe chegou fraco aos meus ouvidos, mas começou a se intensificar na medida em que eu avançava no meu caminho.

Então, em certo momento, a clareza do som me permitiu identificar que se tratava de um hino cristão, mas julgando erroneamente que deveria ser mais um explorador da fé alheia, eu o ignorei o quanto pude.

Mas quando eu cheguei ao final do viaduto, quando deveria atravessar a rua Xavier de Toledo para chegar à Praça Ramos de Azevedo, me vi diante de uma cena que iria me impactar para sempre.

Eu estava à frente de um senhor idoso, muito pobre e sentado no chão, o qual aguardava alguma esmola dos transeuntes e era, para minha surpresa, o persistente solista do hino que eu vinha ouvindo desde longe.

O instrumento que ele estava usando para solar era uma minúscula buzina artesanal que parecia ter sido feita a partir de um pedaço de garrafa PET, o que realçou ainda mais a exclusividade da cena.

Mas o auge dessa experiência aconteceu quando o solo do hino chegou ao coro, cuja letra é "- Descansando nos eternos braços do meu Deus. Estou seguro, descansando no poder de Deus!".

A cena repentina, que conjugou a situação daquele homem com a letra do hino, foi um choque para mim.

A extrema pobreza e dependência da boa vontade alheia que ele enfrentava contrastou fortemente comigo, um adolescente empregado, bem-vestido, com ótima saúde e sem nenhuma boa razão para estar irado como eu estava.

Até hoje, quarenta e cinco anos mais tarde, eu não me esqueço daquela lição e a uso de vez em quando em minhas pregações, estudos e apresentações.

O que aprendi naquela tarde é que, como seres humanos, todos temos a habilidade de nos adaptarmos às situações difíceis que enfrentamos em nossas vidas, mas às vezes erramos ao escolher nos conformarmos defensivamente em vez de avançarmos ofensivamente em direção à superação e à vitória.

Se antes daquele dia alguém me dissesse estas palavras eu concordaria firmemente por conta da realidade e da verdade que elas expressam. Mas aprender vivenciando traz a profundidade que o aprender apenas ouvindo não é capaz de sondar.

Em certo ponto de vista, tanto eu como aquele homem estávamos pelejando para vencer as nossas lutas, cada um dentro da sua própria realidade, mas ao ver como ele solava serena e profundamente, como se a sua provável falta de perspectiva futura e o seu insucesso na vida fossem secundários ante a segurança em Deus que ele alcançou através da fé, fiquei chocado.

Percebi que eu estava fazendo mais força do que ele, tanto quanto estava me afligindo mais do que ele e o meu resultado estava, claramente, pior que o dele.

Isso expôs, tanto a minha falta de experiência de vida quanto a minha pouca intimidade com a fé naquela época, me levando a um sentimento de vergonha que, felizmente, abriu o meu coração para que Deus escrevesse algumas linhas nele.

Assim, aprendi que com a fé o peso das lutas é menor e nos poupa de fazer tanta força desnecessária e que, como em todas as áreas da vida, temos muito a aprender com os mais experientes no uso dela, tanto para suportarmos os tempos de dificuldade, quanto para superarmos os nossos ressentimentos quando falharmos em alguma coisa.

Esta é a mensagem da história do idoso pobre que descansava em Deus.