O Nariz Alheio
Era uma vez um país onde cada cidadão tinha um dom extraordinário: enxergar a vida do outro com uma precisão impressionante. Não havia casamento, escolha política ou mesmo felicidade alheia que passasse despercebida. Mas, ironicamente, quando se tratava de olhar para a própria vida, os óculos ficavam embaçados.
Dona Marta, por exemplo, sabia exatamente o que a vizinha sentia pelo marido. "Aquilo é teatro, eu bem vejo que ela finge estar feliz!", dizia, enquanto ignorava o silêncio sepulcral dentro da própria casa. Seu Joaquim passava as tardes a comentar sobre a corrupção dos políticos, mas esquecia-se de que, sempre que podia, cortava a fila do mercado com a desculpa de "é só um item". E havia também o jovem Pedro, indignado com a ostentação de um colega que viajava muito. "Deve estar metido em coisa errada!", exclamava, sem admitir a própria inveja por não poder fazer o mesmo.
Era um fenômeno curioso: ninguém vivia a própria vida. O casamento do vizinho era pauta do almoço, a eleição do amigo era motivo de revolta e a felicidade do outro incomodava mais do que a própria infelicidade. Enquanto isso, as próprias oportunidades de felicidade passavam despercebidas, como um trem que parte e ninguém se dá conta.
Mas, e se cada um cuidasse do próprio nariz? Talvez sobrasse tempo para melhorar o que realmente importa. Quem sabe Dona Marta aprendesse a reconstruir o próprio casamento em vez de analisar o da vizinha. Seu Joaquim, ao invés de apontar falhas na política, talvez começasse a agir com mais ética no dia a dia. E Pedro, ao invés de desconfiar das conquistas alheias, poderia trabalhar para realizar os próprios sonhos.
O mundo não melhoraria se cada um vivesse a sua vida? Talvez sim. Mas, por enquanto, seguimos afiados na arte de cuidar do nariz dos outros, enquanto o nosso segue sem rumo, esperando que alguém o ajeite por nós.