AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

ENCONTROS COM AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA

Nelson Marzullo Tangerini

Estou aqui tentando juntar os rápidos momentos em que estive com o poeta, cronista e professor Affonso Romano de Sant’Anna, que nos deixou recentemente, no dia 4 de março.

Em 1983, assisti a uma palestra sua em Juiz de Fora, MG, onde morou. Era um encontro de poetas promovido pela revista “D´Lira”, evento este que fizeram essa revista e o fanzine “Abre Alas” trazerem gente de São Paulo, do Rio de outras cidades do interior de Minas. Foi ali que, pela primeira vez, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente Affonso.

No final de sua palestra, fiz-lhe uma pergunta. Porque, certa vez, minha prima Catarina Santoro, leitora do velho e bom Jornal do Brasil e de Carlos Drummond de Andrade, escreveu para o poeta reclamando de que os escritores atuais desconheciam o uso do ponto e vírgula. Affonso, sem se embaraçar, e rindo, respondeu: “Que importância tem o ponto e vírgula depois da Semana de Arte de 1922?”

Se Drummond respondeu à rigorosa professora, já nem me lembro mais.

Quando fiz pós-graduação em Linguística na UFRJ, no Fundão, nos encontrávamos para falar de letras e política. Conversas que se perderam pelos corredores da universidade.

Um dia, acordei com uma ideia bem pacifista: a cidade inteira sair de branco para o trabalho, para a escola e para a faculdade. Liguei para Affonso. Ele não estava. A escritora Marina Colasanti, sua esposa, atendeu e eu, meio sem jeito, falei-lhe sobre a minha ideia.

Dias depois, Affonso publica, no Jornal do Brasil, a crônica “Projetos para um dia de paz”, citando meu nome, o que foi uma surpresa para mim. A notícia foi dada pela minha mãe, que comprava o jornal diariamente com a jornaleira, D. Antônia, e passava a vista no jornal antes de mim. Fui acordado com essa notícia e telefonei para Affonso para agradecer.

Não demorou muito e a passeata aconteceu. Folhetos com a crônica de Affonso eram distribuídos entre todos aqueles que se vestiram de branco e foram à rua para protestar contra a violência.

O sucesso da crônica foi tão grande que Affonso foi convidado a participar de um evento sobre a paz na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Mas o professor não podia ir, pois um evento com ele já havia sido marcado na cidade de São Paulo. Affonso, então, me passou um telegrama, pedindo que eu lhe telefonasse urgentemente. Marina atendeu, ele não estava. A escritora, então, me disse que era desejo de Affonso que eu o representasse em Viçosa. E que os organizadores do evento já tinham o meu nome e esperavam por mim. Pensei: Que sinuca de bico! E lá fui eu. Encarei uma viagem de ônibus até lá à procura dos organizadores do evento. Hospedaram-me num confortável quarto de hotel, onde, me disseram, haviam estado, também, Adélia Prado e Naum Alves de Souza.

A crônica de Affonso foi lida para uma multidão atenta. E fui apresentado ao público como o idealizador do projeto. Naquele palco, inclusive, tive a oportunidade de ler uns poemas meus, além de agradecer a todos pelo convite e pela acolhida.

Esbarramo-nos, certa vez, nos arredores da Biblioteca Nacional, onde ele impulsionou um grande projeto de leitura. Outra vez, no lançamento de um livro da poeta mineira Adélia Prado.

Affonso e eu publicamos textos no livro “Reencontro com Cruz e Sousa”, elaborado por Uelinton Farias Alves, hoje conhecido no meio jornalístico e literário com o pseudônimo Tom Farias. O livro, publicado pela Papa Livros Clube, tinha ainda textos de Austregésilo de Athayde e familiares do poeta simbolista.

Certa vez, em 2009, me encontrei com Affonso no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Eu vinha do Uruguai, e ele de uma palestra na capital gaúcha, Ficamos surpresos, porque viajaríamos no mesmo avião, para o Rio. Então ficamos ali, no saguão, contando piadas um para o outro até nos chamarem para entrar na aeronave.

Quando meu irmão mais velho, o entomólogo Nirton Tangerini, publicou uma espécie nova de mariposa, coletada em Jataí, cidade de Goiás, Affonso ficou interessadíssimo pelo trabalho. Até porque a tal mariposa ganhou o nome de Molippa coracoralinae, em homenagem a poeta goiana Cora Coralina. A crônica, “Cora Coralina virou borboleta”, foi publicada no jornal Estado de Minas, onde Affonso também publicava seus textos.

Sabendo que Affonso faria uma palestra em Itaboraí, RJ, me dirigi imediatamente para lá. Era um final de tarde. Encontrei Affonso, Marina e uma totó da família (da qual não me lembro o nome) na calçada do teatro, e ficamos ali conversando até ele se dirigir para a palestra. Em dado momento, a totó, que estava no colo de Marina, começou a latir dentro do teatro. A escritora soltou a totó, que, aflita, abanando alegremente sua causa, subiu no palco, foi ao encontro de Affonso, e ele fez toda a palestra com a totó no colo, o que deixou toda a plateia extasiada.

Em 2012, a UBE, União Brasileira de Escritores, promoveu um encontro de escritores em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Chovia muito no Rio e em São Paulo, mas, ainda assim, estiveram lá escritores de todo o país.

Novamente nos encontramos. E tiramos uma foto juntos, foto esta que ficará registrada para sempre no arquivo de minha história literária.

Após a publicação do livro de sonetos “Humoradas...”, de meu pai, Nestor Tangerini, pela Editora Autografia, em 2016, enviei um exemplar para ele. Não demorou muito tempo e ele me respondeu, por e-mail:

“Nelson, você faz muito bem em publicar os textos de seu pai. E a edição é bem cuidada, à altura da homenagem. Coloca-o no seu contexto, repõe seu nome em circulação. É realmente um notável poeta irônico e crítico, de olho no cotidiano seu e dos amigos. Revive uma época da literatura em que a poesia tinha outra função de circulação”.

Parabéns, Affonso Romano de Sant´Anna”.

O Alzheimer, que um dia levou Eunice Paiva, levou agora, também, Affonso Romano de Sant´Anna, que partiu dias depois de sua esposa, a escritora Marina Colasanti.

O Alzheimer levou, também, Dinah, minha mãe. Na época, Affonso me escreveu para me confortar com sua palavra amiga. Ela era leitora do JB, como falei há pouco, e não perdia as crônicas de Affonso. Ela, inclusive, chegou a conhecê-lo pessoalmente, quando fomos ao teatro para assistir a uma peça de Marília Pêra.

Agora, neste momento, Nirton, tão paparicado por nós, também nos é roubado pelo Alzheimer. Com o entomólogo Alexandre Soares, escrevi o livro “Nirton Tangerini, o biólogo que amava as borboletas”, livro este que contém a tal crônica de Affonso publicada no Estado de Minas.

Obrigado, Affonso, pela sincera amizade!

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 09/03/2025
Reeditado em 09/03/2025
Código do texto: T8281084
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