A Elite que Nunca Foi

No Brasil, o teatro da sociedade se desenrola com um enredo curioso: médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais que emergem das classes mais baixas para alcançar posições de prestígio não se veem mais como parte do mesmo chão de onde vieram. É como se o diploma não fosse apenas uma conquista acadêmica, mas uma passagem para uma elite que, no fundo, nunca lhes pertenceu.

Quantos desses profissionais, que um dia compartilharam o prato raso da pobreza, agora vestem o jaleco ou o terno e viram o rosto para o passado? O jovem que estudou com luz de lampião, cuja família se desdobrou para pagar os livros, hoje não quer mais saber da lavoura ou do bairro de terra batida. E mais do que isso: não quer ser reconhecido como parte do proletariado.

No Brasil, o conceito de elite é uma armadilha. A verdadeira elite, a que detém o poder e os meios de produção, não abre suas portas para recém-chegados. Quem herda terras, indústrias e bancos governa o país desde os tempos do império, perpetuando uma estrutura em que as classes C e D só conseguem romper o ciclo pela força do estudo – isso quando não se encontram barradas pelas muitas armadilhas do sistema.

É por isso que cotas, bolsas e programas sociais causam tanta indignação nos que ocupam o topo. Não porque são "injustos", mas porque ameaçam romper a engrenagem que mantém o pai como peão e o filho como sucessor de peão. Para as elites, o estudo é a chave que não deve estar ao alcance de todos. Afinal, um povo que aprende a ler o mundo deixa de aceitar ser massa de manobra.

E aí está o paradoxo: os médicos, engenheiros e advogados que emergem da pobreza muitas vezes se esquecem do papel do Estado na sua ascensão e defendem as ideias da elite que sempre os manteve embaixo. Eles passam a rejeitar programas que, no passado, foram sua própria tábua de salvação. É uma espécie de amnésia de classe, alimentada pela ilusão de que, agora, fazem parte de um grupo privilegiado.

Mas a verdade é que o Brasil não enriquece pelo trabalho. O rico que construiu fortuna apenas com o suor do rosto é uma exceção quase folclórica. A regra é a herança: negócios passados de geração em geração, terras acumuladas desde os tempos da colônia. O trabalhador, por mais que se esforce, dificilmente transcende a barreira de classe imposta por um sistema que o quer exatamente onde está.

Então, cabe a pergunta: quem é mais perigoso? A elite que sempre dominou ou o trabalhador que ascende e passa a desprezar sua origem? O problema do Brasil não é a falta de oportunidades – é a falta de memória. Enquanto o operário que virou doutor não reconhecer que ainda é, e sempre será, parte do mesmo povo, continuará a perpetuar as estruturas que um dia o oprimiram.

O que precisamos é de um novo olhar, de profissionais que não se esqueçam do chão de onde vieram. Que saibam que a verdadeira riqueza não está em se afastar das suas origens, mas em usar o conhecimento para transformar a realidade de quem ainda luta para subir. Porque a única elite que importa é a da solidariedade, não a do egoísmo que se veste de falso progresso.

Sandro Almeida
Enviado por Sandro Almeida em 17/01/2025
Código do texto: T8243474
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