Entre o Sagrado e o Profano, Um Natal de Muitas Faces
Ao pisarmos no terreno iluminado pelas cores vibrantes do Natal, muitas vezes esquecemos de questionar as raízes dessas tradições que, ao longo dos séculos, misturaram-se e adaptaram-se como um mosaico cultural. Para quem observa a árvore decorada, os presentes trocados e as luzes que cintilam nas ruas, o que parece cristão tem um sabor mais antigo, mais pagão.
Tomemos o exemplo de São Nicolau, o lendário bispo de Mira, cujas histórias de bondade e generosidade atravessaram os tempos. Transformado em Santa Claus pelos holandeses, ele trazia consigo um ar austero e uma vestimenta azul ou verde, distante da figura rechonchuda e vermelha que conhecemos. O vermelho, diga-se de passagem, é mais um golpe de marketing do que uma verdade histórica. A Coca-Cola, em seus esforços para aquecer os corações e as vendas nos invernos gelados do Hemisfério Norte, tingiu as roupas do bom velhinho com as cores de sua marca. O resultado? Um ícone natalino global que muitos assumem como tradicional, mas que nada mais é do que um filho da publicidade.
E que dizer da troca de presentes? Ah, esse gesto, que hoje é símbolo de afeto e generosidade, tem suas raízes nos rituais pagãos de celebração ao solstício de inverno, quando oferendas eram feitas aos deuses em agradecimento pelo ciclo da natureza. A Igreja, em sua tentativa de cristianizar tais práticas, incorporou o ato ao Natal, ligando-o simbolicamente à generosidade dos Reis Magos. Contudo, por trás do embrulho dourado, a essência original continua viva, como um segredo sussurrado pelas eras.
As luzes que piscam, iluminando fachadas e interiores, também não são meramente decorativas. Desde as antigas celebrações do Yule pelos povos nórdicos, elas simbolizavam a esperança da luz retornando para vencer as longas noites de inverno. A Igreja, mais uma vez, viu ali uma oportunidade de conversão e ressignificou as luzes como um símbolo de Cristo, a luz do mundo.
A hipocrisia, se quisermos chamá-la assim, está no esquecimento voluntário dessas origens, no ato de pintar tudo com um verniz de pureza cristã enquanto o profano sussurra em cada detalhe. Mas seria isso um problema? Ou seria, talvez, um testemunho da capacidade humana de integrar e ressignificar, de unir o sagrado e o secular em uma celebração que, ao final, fala de esperança, alegria e conexão?
No Natal, seja ele vivido sob o calor tropical ou o frio polar, não há apenas uma história sendo contada. Há muitas. E todas elas, com suas contradições, brilham juntas, como as luzes de uma árvore enfeitada.