Sobre o feriado de 20 de novembro
Sobre o feriado de 20 de novembro
Dia 21 de dezembro de 2023 o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o projeto de lei aprovado pelo senado em 2017, mesmo ano de sua criação. A lei decreta dia 20 de novembro feriado nacional. O dia da consciência negra e de Zumbi dos Palmares já era feriado em alguns estados e em mais de 1200 municípios brasileiros por meio de decretos municipais.
Quando sancionada a lei eu particularmente esperava uma reação muito negativa das pessoas. Quase um ano depois, a maioria delas desconhece o feriado do dia 20 de novembro e ao saber tecem comentários absurdos, sem qualquer receio ou pudor escancaram o que de fato pensam sobre os negros.
Questionada no meu trabalho por uma pessoa sobre o feriado do dia 15 de novembro, tive a infelicidade de lhe dizer que dia 20 também será feriado. Infeliz, não pelo que eu disse mas pelo que ouvi. “ Mas nós alemães temos o que a ver com isso?” Em resposta, o meu silêncio de estagnação estancou o que gritava dentro de mim perguntando-me se realmente iria calar-me diante do comentário. Em respeito ao meu ambiente de trabalho calei-me, preconizando um momento pelo qual já esperava mas preocupada pelo que ainda virá.
O Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo por 388 anos, sendo o último país das Américas a abolir este tipo de regime. Há 136 anos mais de 700 mil escravos foram libertos iniciando uma longa jornada de desafios. Muitos retornaram ao seu país de origem, devido a dificuldade de acesso à educação e oportunidades melhores de trabalho, isso porque depois de libertos não tiveram acesso a terra sendo forçados a trabalhar por um baixo salário. Sem acesso à terra, sem acesso à educação e trabalhando para grandes proprietários por um salário muito baixo, mantiveram-se marginalizados.
Há 136 anos o Brasil aboliu a escravidão, no entanto a marginaização, a discriminação e o preconceito contra o povo negro resiste. E portanto, nós brancos temos sim muito a ver com isso.
Esse preconceito chamado de cultura, atinge os negros das mais variadas formas.
Usando de termos pejorativos, difamando e ameaçando as religiões de origem africanas, usando termos e gestos racistas em estádios de futebol e claro nas redes sociais, que se tornam cada vez mais espaço para a disseminação deste e de outros tipos de preconceito. Chega a ser repugnante o que as pessoas comentam.
Temos um país constituído de imigrantes de diversas etnias, temos descendentes que vieram de outros países e colonizaram o Brasil, mas nós nascemos aqui. Portanto, somos brasileiros. Aliás, em sua grande maioria declarados negros.
Quando ouvimos que um país, um estado ou uma cidade está em constante evolução e que destaca-se pela sua cultura subentende-se que há nestes lugares pessoas evoluídas, pessoas cultas, e logo, pessoas inteligentes.
Mas o que vemos é uma continuação do que viveram nossos antepassados, do que os mesmos solidificaram em suas futuras gerações e que continuam passando para as próximas.
O feriado do dia 20 de novembro é um dever cumprido diante de todos que foram excluídos e continuam sendo.
Ouvimos que o racismo é cultural, mas pouco ouvimos falar do que o negro representa na nossa cultura.
Cresci ouvindo mal falarem sobre os negros mas em algum momento da minha infância e juventude percebi que aquilo estava errado, eu não concordava e não me sentia bem e começou a me incomodar.
Então eu não apenas discordava, eu queria explicações, fatos, porquês.
Se mudei alguém da época com isso acredito que não. Mas da minha geração com certeza.
Não importa o que nos disseram, o que nos dizem e dirão é nossa consciência que vai definir o que acreditamos ser certo ou errado.
Se algo tivesse realmente mudado o feriado do dia da consciência negra não incomodaria tanto as pessoas, ou até mesmo nem precisasse existir.
“O passado é conservado por ele mesmo. Nos segue por toda a vida. Nosso cérebro foi feito para guardar o passado e trazê-lo à tona quando precisamos, para esclarecer uma situação do presente.
(Marcelo Rubens Paiva - Amor estou aqui)