UM DIA DAQUELES!
A partir de certa idade acho que todo mundo, principalmente aqui em terras tupiniquins passamos a viver decepções ao retornar a lugares que conhecemos a dez, vinte, trinta ou até quarenta anos atrás, e isso infelizmente passa a ser uma constante em nossas viagens.
Mais uma dessas desilusões vivenciei ontem com todas as cores. Acredito que já fazia algo como quinze anos, que não botava meus pés em Arraial do Cabo, antigo distrito de Cabo Frio, que conheci no finalzinho da década de sessenta.
A vida local podia ser dividida em dois capítulos, a dos privilegiados funcionários da Álcalis, que fornecia inclusive moradia para seus empregados, numa vila que não tinha nada de operária, erguida em área privilegiada, dispunha de muita área verde e amplos espaços para entretenimento, inclusive uma praia especial, quase particular, a do Pontal.
Não existia separação física para os diversos níveis de trabalhadores, a hierarquia funcional se dava apenas pelo tamanho das casas.
Os outros moradores do distrito basicamente se dedicavam a pesca e sua comercialização.
Por falta de critérios urbanísticos a localidade foi crescendo sem qualquer tipo de planejamento, gerando um traçado urbano similar aos encontrados em favelas que se desenvolveram em áreas planas.
Aos trancos e barrancos mais gente descobriu os encantos de suas praias, o colorido único de suas águas e a fartura de peixes que o fenômeno da ressurgência propicia.
Num primeiro momento se tornou o paraíso dos mergulhadores, como esse hobby não agrega tantos adeptos assim, não interferiu de forma significativa no cotidiano da cidade.
Mais tarde uma estrada ainda de terra propiciou o acesso as praias do Pontal do Atalaia, essas hoje consideradas como especiais, pois tem a proteção da Ilha de Cabo Frio a sua frente, formando uma espécie de baía, conhecida como Boqueirão, com acesso ao mar aberto por dois lados da ilha, um largo e outro estreito.
Alguns pescadores resolveram mudar seu modus vivendi, passando a atuar como guias náuticos, o que propiciou a muita gente ter acesso a essa pitoresca porção do litoral fluminense.
Essa nova atividade acabou por trazer um maior fluxo de turistas à cidade, com isso cresceu também a oferta de restaurantes e mais tarde a especulação imobiliária, que acabou por transformar as vias da cidade num calvário para quem precisa delas fazer uso.
O dia de ontem, uma terça-feira, escolhido para o passeio do nosso grupo, que já abriu os trabalhos com um pequeno engarrafamento próximo ao portal da cidade, quanto mais nos aproximávamos da área urbana, pior ia ficando a capacidade de fluxo da via, inclusive com a participação do pessoal de trânsito, tentando dividir o movimento por vias secundárias.
Conhecedor do desenho viário consegui fugir da muvuca de acesso ao píer da Praia dos Anjos, e logo encontrei onde estacionar o veículo, ainda gozando do privilégio de gratuidade para idosos.
Aos poucos foi caindo a ficha, aquele passeio bucólico do passado era apenas uma bela lembrança guardada na parede da memória. Caminhando sempre entre muita gente e sofrendo uma insistente oferta de passeios, finalmente desaguamos no aglomerado espaço de espera do terminal, que me remeteu aquela sensação de transitar pela estação do Metrô da Sé em São Paulo, na hora do rush.
Pulseirinhas coloridas agora identificam você e sua embarcação, tivemos o privilégio do embarque prioritário, e também o ônus de ficar mais tempo aguardando a embarcação completar sua lotação, fez lembrar aquelas linhas de coletivo que só deixavam o ponto de partida, depois de atingir uma lotação mínima.
Quando finalmente chegou a ordem de partida, dos alto falantes estridentes a tripulação foi informada dos serviços oferecidos a bordo e do roteiro a ser percorrido. Mas, o pior estava por vir, e em dose cavalar, música ruim, alta e distorcida.
Na primeira parada nosso destino foi à aprazível Praia do Forno, que de alguma forma lavou a alma da sequência de acontecimentos desagradáveis.
Logo estávamos navegando no Boqueirão, um espetáculo de natureza e águas muito claras, que permitiam inclusive assistir o bailado de peixes na proximidade da embarcação.
Um espetáculo à parte se descortinava a nossa frente ao cruzar a estreita saída do Boqueirão, onde abandonamos as claras e rasas águas protegidas, pelo mar aberto com águas de um azul mais escuro.
A especial formação da Ilha de Cabo Frio na sua vertente sul se caracteriza por verticalizadas fragmentações rochosas que permite a formação de grutas de dimensões variadas o que encanta os olhos da tripulação.
No retorno ao Boqueirão, mais uma vez o passado precisou ser esquecido, olhadas à distância, pessoas pareciam formiguinhas se deslocando nas brancas areias da ilha, próximo a praia mais de trinta embarcações permaneciam ancoradas, enquanto compridas lanchas faziam um desembarque contínuo de turistas, a Marinha não permite a chegada à praia nadando.
Na praia toda delimitada por cordas, o espaço destinado aos turistas é restrito, o que causa grande aglomeração de pessoas, tanto na areia, como nas translúcidas águas.
Antes do retorno, o barco ainda fez mais uma parada para mergulhos, e finalmente partimos em direção ao porto.
Nova surpresa desagradável nos aguardava, já próximo ao local de atracação, o barco parou, e só mais tarde fomos saber a razão: enquanto todas as contas do bar não fossem quitadas e todas as negociações relativas a fotos tiradas durante o passeio fossem acertadas, ficamos reféns do capitão.
Essa brincadeira de mau gosto se prolongou por algo como quarenta minutos, até a atracação.
Mas as surpresas do dia ainda teriam um novo capítulo, o aguardado almoço.
O restaurante embora aprazível parece que não tem a capacidade de atender a quantidade de mesas disponíveis. Resultado final, uma demora que superou uma hora para a chegada dos primeiros pratos.
Bom, esses primeiros felizardos beberam, comeram e cansados se despediram antes que os demais pratos fossem servidos.
No final do dia, uma fina garoa encerrou melancolicamente esse dia ensolarado e repleto de surpresas, algumas boas, outras nem tanto!