O Preço do Fanatismo

A noite passada em Brasília têm assistido a episódios que mais parecem saídos de enredos improváveis. Ontem foi um desses momentos: um homem, eleito pelo povo como vereador de uma pequena cidade catarinense, chegou à capital do país carregado de uma convicção perigosa e mal calculada. Tinha consigo um carro com explosivos — suas armas para uma luta que, na mente dele, parecia justa, mas que para o resto do mundo soa como loucura.

Ao que parece, ele acreditava cegamente em um líder que não mais o é, um ex-governante tornado inelegível, que ainda lança, de tempos em tempos, declarações e mensagens aos seus seguidores mais fervorosos. É a isso que chamamos fanatismo. O que leva uma pessoa a dar a própria vida em nome de uma ideia política ultrapassa a lógica e nos coloca diante de uma pergunta: até onde alguém pode ir quando sua visão de mundo se torna tão estreita?

Há muito o que se dizer sobre esse fenômeno. O fanatismo transforma o ser humano em um mártir de uma causa muitas vezes imaginária, uma causa que, neste caso, nem sequer foi vencedora. A pessoa torna-se prisioneira de ideais de resistência, de “salvação” de algo que talvez nunca estivesse em risco. Na tentativa de servir um líder, muitos se esquecem do que deixam para trás: uma família, um lar, uma vida inteira.

Parece fácil criticar — e, de fato, há motivos para isso. Como alguém pôde ignorar o risco de deixar viúva a mulher ou órfãos os filhos por uma tentativa de ataque que não mudaria nada? Por um ato de desespero, de violência, no qual só ele próprio seria a vítima. Felizmente, não houve mais feridos. Mas a marca desse ato, como de tantos outros, é profunda. E reflete a lentidão de uma justiça que parece deixar florescer uma cultura de impunidade.

As discussões sobre os eventos que marcaram o 8 de janeiro deste ano já se prolongam, e as prisões dos mandantes, ainda por acontecer, são um pedido de muitos. A demora, o silêncio e a falta de ação das autoridades criam terreno fértil para quem acredita que “a luta continua”. Para quem vive numa bolha, onde os ecos de um líder caído soam como uma convocação à guerra, onde as mentiras repetidas tornam-se verdades absolutas.

E é assim que cenas como a de ontem, na Praça dos Três Poderes, deixam-nos um misto de alívio e desconforto. Alívio, porque ninguém mais foi ferido. Desconforto, porque sabemos que, enquanto essas vozes inflamadas continuarem ecoando, novas cenas como esta podem voltar a acontecer.

A pergunta que fica é: até quando o Brasil vai viver à sombra desses atos de fanatismo e intolerância? Quem responderá por aqueles que jogam sua vida fora, ou que ameaçam a paz alheia, em nome de uma causa já perdida? Que país estamos nos tornando, onde a morte e a destruição parecem valer mais do que o diálogo e a democracia?

Enquanto esperamos que a justiça faça seu trabalho, resta-nos olhar para o fanatismo com a perplexidade que ele nos inspira. O fanático sempre acredita que a sua causa é justa, que o seu sacrifício tem valor. Mas nós, que assistimos de fora, sabemos que, muitas vezes, não passa de tragédia.

Sandro Almeida
Enviado por Sandro Almeida em 14/11/2024
Código do texto: T8196419
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