Foto tirada hoje do Carrinho da Alegria. O Carrinho da Tristeza não passou.
Café da Manhã
Quando o carrinho da alegria e o da tristeza se cruzam no corredor dos eternos cuidados
Era oito da manhã, hora do café no hospital. O bloco E, onde ficam os pacientes em estado terminal e aqueles com uma chance de recuperação, ainda estava adormecido. Os passos leves e vozes baixas no corredor refletiam o momento em que as equipes médicas se trocavam, e o corredor ganhava a vida discreta de quem começa o dia. No meio desse silêncio repousava o meu pai, há três meses internado, aguardava, dia após dia, por um milagre.
Eu esperava junto à porta do quarto o carrinho do café da manhã, carinhosamente chamado de "carrinho da alegria". O rapaz do café chegava sempre pontualmente, e começava a despertar pacientes e acompanhantes, um a um, com o cheiro quente e acolhedor do café recém-preparado. Naquele momento, no entanto, uma cena inusitada e um tanto absurda estava prestes a acontecer.
Do outro lado do corredor, vindo do elevador, aparecia o "carrinho da tristeza" – o carrinho usado para transportar os corpos dos que haviam partido durante a madrugada. Era cedo para vê-lo circulando, pois ele geralmente passava depois das três da tarde. No entanto, ali estava ele, deslizando pelo corredor em direção ao norte, rumo ao encontro inesperado com o carrinho da alegria.
De repente, os dois carrinhos se encontraram no meio do corredor. Por um instante, o silêncio se aprofundou, e todos os olhares se voltaram para o maqueiro e o rapaz do café. Ao perceber o carrinho do café, o maqueiro sorriu e aceitou o copo de café que lhe era oferecido, descansando-o sobre a estrutura metálica do carrinho da tristeza, junto ao corpo envolto em lençóis brancos.
Alguns acompanhantes riram baixinho, um tanto surpresos e encantados com a cena curiosa – um contraste entre a vida e a morte, lado a lado, unidos pelo simples ato de compartilhar um café. Médicos e enfermeiros, que observavam ao fundo, não resistiram ao riso contido, tirando fotos discretas do que parecia uma peça teatral improvisada. Alguns dos acompanhantes, no entanto, franziram a testa em reprovação. Uma senhora comentou, indignada, que aquilo era um desrespeito com os que haviam partido, enquanto outros apenas observavam em silêncio, reflexivos.
O maqueiro, alheio às reações, tomava seu café calmamente, como se estivesse ali numa pausa qualquer e carregasse apenas caixas ou suprimentos. E assim, o corredor dos eternos cuidados se encheu de uma mistura de humor e desconcerto, uma pausa momentânea no peso das despedidas.
No dia seguinte, como se o destino quisesse repetir a cena, os carrinhos da alegria e da tristeza voltaram a se cruzar no mesmo corredor – agora, na hora do almoço.