O Paradoxo do Voto no Veneno

Vivemos tempos em que o real parece fantasia, e a fantasia, por incrível que pareça, torna-se a realidade preferida por muitos. A história se repete como uma peça de teatro grotesca, em que políticos e gestores que se comprometem com o trabalho real e concreto em prol das causas populares – como aumento do salário mínimo, redução da carga horária, melhores condições de trabalho – são deixados de lado, considerados irrelevantes por grande parte do eleitorado. No palco, os protagonistas são os “salvadores da pátria”, figuras carismáticas que oferecem promessas mirabolantes, porém vazias.

Estamos diante de uma sociedade cauterizada, como se anestesiada por discursos sedutores, mas desprovidos de substância. Parece que, para grande parte da população, o que importa não é mais o compromisso com causas concretas, mas sim a ilusão de que uma figura grandiosa possa resolver todos os problemas em um passe de mágica. As pessoas estão tão mergulhadas nessa fantasia coletiva que a razão perdeu espaço, e o discernimento é trocado pela emoção de acreditar naquilo que melhor acomoda suas preferências e seus medos.

Não é uma tendência isolada. No Brasil, vemos o Congresso Nacional tomado por representantes de interesses específicos: a “bancada do boi, da bala e da Bíblia” – onde empresários, latifundiários, médicos e engenheiros ditam as regras. Mas, e o trabalhador comum, o cidadão da periferia, o pequeno agricultor? Poucos representantes verdadeiramente populares ocupam cadeiras no parlamento, e assim, políticas sociais efetivas perdem terreno em meio a manobras e interesses econômicos dominantes. A realidade do Congresso é dura e excludente, e o avanço de causas sociais fica preso em pautas que priorizam a elite econômica, religiosa e armamentista.

Mas isso não é exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, uma figura controversa como Donald Trump continua a atrair uma massa de eleitores, muitos dos quais latinos e hispânicos – grupos que ele próprio já atacou e marginalizou. A imagem é irônica: um político que constrói sua retórica no desprezo ao “outro”, mas que recebe apoio de muitos desses “outros”, que parecem cegados por promessas vagas. O paradoxo do voto no veneno ou do apoio ao carrasco é global, mas sempre é uma dolorosa realidade, em que aqueles que mais sofrem são os que mais sustentam o sistema que os oprime.

Talvez o que falte é um despertar coletivo, uma consciência de que as grandes mudanças não virão por meio de salvadores da pátria. Elas virão por meio de lideranças que se dedicam a construir políticas sólidas e reais, que trabalham de forma discreta, mas firme. Precisamos, mais do que nunca, aprender a reconhecer esses líderes e dar-lhes a oportunidade de fazer o trabalho silencioso e essencial, aquele que realmente transforma – mesmo que, no palco das aparências, eles não brilhem como os populistas e suas promessas de espetáculo.

Sandro Almeida
Enviado por Sandro Almeida em 07/11/2024
Código do texto: T8191427
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.