A Hipocrisia de Janeiro
Amanhecia o dia 8 de janeiro, o céu de Brasília coberto pelo sol ardente que iluminava a esplanada dos Três Poderes, um local que simboliza a democracia e os direitos constitucionais dos brasileiros. Mas naquela tarde, tudo isso foi obscurecido por um espetáculo de barbárie: uma turba enfurecida, armada de fúria e disposta a invadir, quebrar e destruir as estruturas mais sagradas de nossa república. A cena era de um filme que nunca pensamos ver no Brasil. Aqueles que diziam lutar contra a corrupção, no entanto, estavam lá—não para proteger, mas para atacar e tentar subverter o poder democrático recém-eleito.
No começo, a narrativa que circulava nas redes e nos noticiários era a mesma: “A esquerda fez isso!”. Havia uma pressa em transferir a culpa e deslegitimar o governo que acabava de assumir. Bastaram alguns dias, porém, para que surgissem vídeos, provas e confissões. A verdade saiu da sombra, revelando que muitos dos que gritavam “Deus Pátria e Família” estavam agindo sob a bandeira da extrema-direita. Eram eles, manipulados e manipuladores, que tinham tentado manchar o início de um novo ciclo político com golpes e depredações.
Agora, dois anos se passaram, e o cenário é outro, mas o teatro da hipocrisia ainda brilha forte no palco político brasileiro. Alguns daqueles que se dizem patriotas, que juram lutar contra a corrupção, querem agora anistiar os que quebraram e invadiram os símbolos máximos de nossa democracia. Pessoas que há dois anos bradavam pela condenação, hoje viram defensores ardorosos de uma anistia vergonhosa, amnésia conveniente para atos que colocaram em xeque a ordem e a paz do país.
Não há forma mais nítida de hipocrisia. Porque a mesma mão que aponta e acusa também carrega o lenço para limpar a sujeira dos seus, num ritual cínico e nada patriótico. São os mesmos que evocam o nome de ex-presidentes como grandes líderes, como os melhores governantes, numa narrativa que parece ser imune à verdade dos fatos. E o povo? O povo, desinformado ou crédulo, aplaude. Acreditam na versão conveniente e se esquecem das mentiras passadas e dos atos recentes, como se o passado tivesse sido reescrito.
Será que um dia aprenderemos a votar com mais consciência? A escolher não como quem escolhe um time de futebol, mas com a seriedade e o respeito que o ato merece? O Brasil não precisa de torcida, precisa de discernimento, de uma escolha consciente, uma escolha que vá além do “eles” contra “nós”.
Talvez, para os corruptos e os cúmplices de ontem e de hoje, só reste uma verdade incômoda: a história não esquece. Ela cobra, e talvez mais cedo do que esperam.