O SACI, A MULA E O VEIO DO SACO (E EU NO MEIO)

Todo ano é a mesma coisa: agosto chega e com ele vem o dia do folclore. E junto do folclore vem também a lembrança traumática de quando eu fui obrigado a dançar xaxado de sandália de couro e aquele horroroso chapéu de vaqueiro, no pátio da escola, suando em bicas e tentando não tropeçar no vestido rendado de Clarinha. Não é fácil ser criança e folclórica ao mesmo tempo, principalmente no sol daqui do Nordeste.

Mas o tempo passou, e aqui estou eu — um homem feito, vacinado e com dor na lombar — escrevendo sobre o Saci, a Mula sem Cabeça e o Velho do Saco. Não por escolha, veja bem. É que é pra um concurso. E como dizem por aí, entre a vergonha e o pix premiado, eu fico com o pix, porém tem um problema: eu perco o concurso, mas não perco a piada.

Vamos começar pelo Saci. A versão oficial diz que ele é um moleque inconveniente, tabagista de carteirinha, com uma perna e apronta todas. Mas vou te contar: eu conheci um Saci. Era um tal de Pererê, que segundo se comentava a boca pequena era filho de um juiz de direito do Crato. Mancava, fumava, bebia, jogava baralho, tocava cuíca e frequentava a casa de luz vermelha, pois segundo ele, combinava com sua toca. Seu defeito físico era usado apenas para furar a fila do banco e receber seu benefício pelo INSS. Tinha o dom de desaparecer que nenhum credor o encontrava e sumia como em passo de mágica quando a “patroa” começava a buzinar no seu ouvido suas obrigações como chefe de família. Sim, caro leitor, o Saci era casado, mas ainda não tinha filhos, algo que ele estava tentando, porém desequilibrava na hora.

A Mula sem Cabeça, por sua vez, é um clássico da repressão. Mulher se apaixona por padre, explode em fogo, perde a cabeça e vira bicho. Meu Deus, quanta perversidade! Essa pobre moça teve que virar churrasco, explodir igual a um terrorista do Hamas e ainda virar um equino sem cabeça. Esse padre ainda vai ter paz de espírito sabendo que foi a causa da incineração com explosão seguido de decapitação dessa pobre moça que o único crime foi amar? Será que ela usava batom? Não sei. Acho que a história da mula sem cabeça deve sair do folclore e ir para temas policiais. Seria bem mais correto estar catalogado junto aos Mardônio.

E esse padre, hein? Não me diga que é plenamente inocente. No mínimo levantou a batina, prometeu um lugar privilegiado no céu. Parece que estou vendo a conversinha:

— Minha filha, vou te reservar um local lindo no céu. Vista mar. Boa vizinhança, local seguro e tranquilo.

— Que bom, Padre. Posso levar mamãe?

— Claro, minha filha. Pode levar até o Rex — promete o lobo, digo, o padre.

Outra coisa: um fato desse de repercussão nacional e não teve um pronunciamento do Bispo, nem uma notinha explicando que a batina levantou por força do vento, não por ação do santo padre.

E o Velho do Saco? Ah, esse eu temi mais que o Bozo. Era o terror das crianças e o aviso favorito das mães: “Se não comer tudo, o Velho do Saco vem te buscar!”. Hoje, ele provavelmente tá aposentado, vivendo num asilo em Pindamonhangaba e escrevendo thread no X explicando como era mais fácil criar menino antigamente — com saco e tudo.

No fundo, eu tenho que admitir: o folclore brasileiro é uma grande desculpa pra gente exagerar na história. É um churrasco de lenda com farofa de drama. A gente bota fogo em mula, roda com Saci, perde criança no mato e diz que foi o Curupira. Tudo isso com um orgulho danado.

Mas ó: entre um mito e outro, o que fica mesmo é a certeza de que o brasileiro adora um enfeite. Enfeita o medo, enfeita a mentira, enfeita até a desgraça. E no fim, tudo vira história pra contar — de preferência com café, pão doce e alguém duvidando no meio.

Se isso não é folclore, eu nem sei o que é.