A saga da vacina e o inigualável Pedro
A vacinação é um evento fantástico! Movimenta uma legião de profissionais, equipamentos de ponta e toneladas de esperança. É coisa de outro mundo! Agora... se no mundo inteiro já é um espetáculo, em Salvador, Bahia, vira quase um episódio de novela com pitadas de reality show e uma pitada generosa de comédia.
Já repararam nas histórias que brotam nos postos de saúde durante as campanhas? Tem drama, tem ação, tem romance (com direito a crush da fila) e, claro, muita comédia. É nesse cenário que entra a minha família. E, como não podia deixar de ser, com ela, tudo vira evento.
Tudo começou num belo dia de sol escaldante (como todos os dias em Salvador), quando fui com meu irmão Pedro tomar a primeira dose da vacina contra o coronavírus. Se fosse uma família comum, a gente chegava, tomava a vacina, tirava uma selfie, botava no Instagram com a legenda “Imunizado, graças a Deus” e ia pra casa. Mas, com a gente, não. Com a gente, é novela.
Chegamos ao posto e já demos de cara com a fila. Uma fila que mais parecia entrada de show de Ivete Sangalo. Pedro, que é mais agitado que criança depois de comer doce, já começou a se remexer.
— Meu irmão, essa fila não anda, não? — reclamava, enquanto alternava entre comprar pipoca, tomar picolé e bufar de tédio.
Até que ele resolve se mexer. Vai até o portão, onde um segurança suando igual tampa de chaleira segurava um bloco de senhas coloridas. Pedro, com aquele jeito educado, mas impaciente:
— Bom dia, meu amigo! Que horas começa essa vacina?
O segurança, com cara de poucos amigos (e de quem já tinha respondido essa pergunta 238 vezes só naquela manhã), responde seco:
— Tem que aguardar na fila, senhor. Assim que mandarem, distribuo as senhas.
Pedro insistiu, quis falar com alguém do posto, pediu gerente, protocolo, mas tudo o que ganhou foi mais um “Vai pra fila, senhor”. Voltou indignado, olhando pro chão, resmungando, jurando que nunca mais saía de casa.
A fila andou. Chegamos no portão. As fichas eram coloridas: verde, azul, laranja, vermelho e branco. A de vacinação era laranja. Quando Pedro esticou a mão todo esperançoso, o segurança cravou:
— Rapaz, você hoje foi premiado! Acabaram as laranjas. Não tem mais ficha pra vacinação. Volte à tarde... ou aguarde uma possível redistribuição.
Se Pedro já estava vermelho do sol, agora estava roxo de raiva. Esbravejou, bufou, ameaçou fazer um boletim de ocorrência, mas ficou. Eu já tinha tomado a vacina e agora era apenas espectador desse show ao vivo de irritação pública.
Aí, pra piorar, bateu aquela vontade inadiável de ir ao banheiro.
— Moço, posso entrar só pra usar o banheiro? — pediu ao segurança, tentando ser razoável.
— Tem banheiro do outro lado do prédio. Dá a volta. — respondeu o segurança, apontando vagamente pro horizonte.
Lá foi Pedro, andando feito quem carrega o mundo nas costas e a bexiga prestes a explodir. Nesse meio tempo, chegaram novas fichas — agora amarelas — que, segundo a nova ordem, também serviriam para vacinação. Peguei uma e fiquei no portão esperando meu irmão, que, pra variar, sumiu por uns bons minutos.
Quando ele apareceu, triunfante, segurando a calça e o mau humor, o segurança deu o veredito:
— Agora não pode entrar. A sala tá cheia.
Mesmo com a ficha amarela na mão, Pedro teve que esperar mais. O sol parecia mais quente. A paciência dele, mais curta.
Finalmente, depois de muito suar, reclamar e ameaçar ir embora umas dez vezes, foi autorizado a entrar. Mal ele pisa no saguão, a atendente solta:
— Atenção, pessoal! Vai ter uma pausa pra troca da equipe de vacinação.
Foi aí que Pedro quase surtou. Gritou “Não aguento mais!”, falou em processo, em direitos humanos, e até mencionou que estava sendo vítima de um complô sanitário. Eu, já cansado, sentei num banquinho e fiquei assistindo de camarote o caos.
Depois de mais meia hora e muita resenha, ele finalmente entrou. Suspirei aliviado. Pensei: “Acabou. Agora é só tomar a agulhadinha e bora pra casa”.
Ledo engano.
Minutos depois, Pedro saiu da sala com os olhos faiscando de ódio.
— O que foi agora, homem? — perguntei, temendo a resposta.
Ele me olhou como quem acabou de ser enganado por um cupom falso e disparou:
— Faltou vacina.
Rapaz... essas coisas só acontecem com Pedro.