UM BACALHAU, DOIS OLHOS E UMA BENGALA BRANCA
É, meu amigo, vou te confessar: se esse coelho da Páscoa ousar aparecer aqui em casa, corre sério risco de virar um Lapin à la chasseur — ou, traduzindo pro bom e velho tupiniquim, um coelho à caçadora. Senta aí... não aí, naquela mais confortável — isso!
Mas cá entre nós, nem era o coelho o foco desse almoço pascal. Todo satisfeito por ter dois trabalhos — o Caroço de Manga e o Nem Todos Calçam 40 — igual ao Julius, pai do Cris no seriado Todo Mundo Odeia o Cris — e por ter visto a notícia da antecipação das parcelas do décimo terceiro, já fui me sentindo rico. E como bom brasileiro, já pronto pra gastá-lo, cometi o erro clássico: fui direto ao supermercado.
Com aquela postura de quem está podendo — barriga pra dentro, cabeça erguida, ombros esticados, passos largos — segui firme rumo à aquisição do nosso tão sonhado almoço pascal.
Desde o dia anterior, o assunto aqui em casa girava em torno do esperado bacalhau. A escolha da receita foi mais complicada e detalhada do que a definição de um vestido de noiva, pois tinha que agradar a toda a família: minha mulher, minha filha e eu.
No supermercado, fui direto ao setor reservado a esse peixe de águas frias — coisa que, aqui no Nordeste do Brasil, não existe nem por reza braba. Escolhi um lindo pedaço, alto e largo, parecia um paralelepípedo. Mas, quando olhei o valor daquela peça, de imediato um suor frio desceu da testa e percorreu o meu corpo por lugares que não devia.
Como eu podia quebrar a expectativa da minha família? Sair pra comprar um legítimo norueguês e voltar com uma lata de sardinha Coqueiro? Hein, meu amigo?
Então assumi minha posição de provedor e fui pro caixa. A moça me pergunta a forma de pagamento. Aí, amigo querido, só narrando tim-tim por tim-tim pra você entender a que ponto chegamos:
— Forma de pagamento: vai ser cartão, espécie ou órgão?
Respondi baixinho, quase sussurrando:
— Órgão...
— Qual?
— R... rim. (E dei um sorrisinho, só pra confundir os outros clientes.)
— Sinto muito, senhor. O rim o senhor já usou no peru do Natal. Mas estamos com uma promoção, válida só pra Páscoa, dos olhos. Vai querer?
— Como é essa promoção? — perguntei, já considerando a hipótese.
— Deixa eu ver — disse ela, consultando o sistema. — Pronto: o valor do bacalhau dá um olho e meio. Mas se o senhor levar um pacotinho de azeitona preta, fecha a conta, e o senhor ainda leva de brinde essa linda bengala branca. Vai aceitar?
Fiquei de pensar um pouco. Não gostei da cor da bengala. Se pelo menos fosse um cão-guia, eu topava.
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